Não é uma nova modalidade de dieta, pois o foco não são os nutrientes e as calorias. A nutrição comportamental, método que tem se popularizado nos consultórios de nutricionistas, é utilizada para construir uma relação melhor entre as pessoas e o ato de se alimentar. Esta abordagem leva em consideração tudo o que antecede os comportamentos alimentares, como por exemplo o dia a dia dos pacientes, as pessoas no seu entorno, seus hábitos e emoções, de forma a propor mudanças certeiras para uma alimentação mais saudável para o corpo e a mente. E ainda preza pela autonomia do paciente, que aprende a ler os sinais do seu corpo para conseguir seguir sozinho uma rotina de alimentação consciente e benéfica.
— Não é olhar apenas o que a gente come, mas por que estamos comendo determinado alimento, como estamos comendo. Essa abordagem não deixa de contemplar necessidades nutricionais, mas não fica apenas nisso. Quando a gente aprende a ouvir e respeitar nosso corpo, não precisamos de um profissional nos dizendo o que comer todos os dias, comemos de forma mais intuitiva. O principal benefício da nutrição comportamental é que nos tornamos especialistas de nós mesmos — afirma a nutricionista Catiane Scudella, especialista em comportamento alimentar.
Uma das práticas que a nutrição comportamental se propõe a combater é o comer automático, aquelas ocasiões em que a pessoa mal percebe o que está ingerindo e o motivo. Essa alimentação desatenta, observa Cátia, é reflexo de um mundo que também está cada vez mais imediatista, que valoriza agilidade e produtividade.
Muitas vezes, o consumo de alimentos que não são o que o corpo quer ou precisa ocorre pela simples falta de planejamento: em uma rotina de correria e desorganização, acaba-se ingerindo o que estiver disponível no momento, que frequentemente são alimentos industrializados e fast foods, menos saudáveis que alimentos preparados com cuidado, comidas in natura ou minimamente processadas.
— Algumas pessoas também usam o alimento como forma de anestesiar alguma emoção ou preencher algum vazio, e outras acabam tendo o comportamento oposto, acabam não comendo em função de alguma emoção. A nutrição comportamental busca dar um passo pra trás e identificar o que está levando a pessoa a ter determinada atitude frente ao alimento para conseguir mudá-la — explica Catiane.
Proibido proibir
A liberdade alimentar é um dos principais conceitos dentro da nutrição comportamental, onde os alimentos não são taxados de bons ou ruins. Conforme explica a nutricionista Kelly Pozzer Zucatti , da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, essa ciência entende que a proibição é contraproducente pois acaba incentivando a compulsão alimentar, episódios de consumo exagerado — e a subsequente sensação de culpa por ter comido demais. Também é importante que todos os alimentos possam fazer parte do repertório alimentar pelo fato de que a comida desempenha diferentes papéis essenciais nas nossas vidas: serve pra sobrevivermos, mas também representa conexão social, identidade, memória e afeto, valores que precisam ser levados em conta.
— Muitas das nossas comidas de vó, por exemplo, uma torta, um bolinho de chuva, foram intituladas como alimentos não saudáveis pois têm carboidratos e gorduras. São alimentos que têm uma memória afetiva muito rica, mas que acabam sendo retirados da nossa alimentação por conta de uma visão taxativa. O que estamos fazendo é tentar recuperar “o que esse alimento te traz?” e identificar em que momentos ele pode ser inserido dentro da alimentação, para que a pessoa possa reviver emoções sem culpa - afirma Kelly.
Mas a nutricionista faz a ressalva de que não se pode generalizar, já que liberdade alimentar não é sinônimo de comer qualquer coisa, a qualquer momento e na quantidade que quiser. É preciso haver uma reflexão sobre como o alimento vai ser introduzido na refeição, analisando o contexto e entendendo se faz sentido comê-lo. Profissionais que seguem a abordagem da nutrição comportamental utilizam técnicas da terapia cognitivo comportamental, como por exemplo a entrevista motivacional, que é uma interação que não se limita a perguntas objetivas como "Come frutas?" "Bebe água? Quanto?", e sim um bate-papo com perguntas mais abertas, em que o paciente se abre para contar sua história e ajuda o profissional a entender o que está por trás das suas dificuldades. E vai depender de cada profissional a decisão de tratar o paciente somente através da nutrição comportamental ou aliando-a a planos alimentares.
— O indivíduo tem que ter voz ativa, afinal o processo de mudança é executado por ele, o profissional é só um facilitador. Portanto, precisa se sentir confortável com aquilo que quer colocar em prática. Algumas pessoas precisam de uma orientação mais esquematizada. Outras pessoas, não — afirma Catiane.
As nutricionistas acreditam que a abordagem, que não é recente, tenha se popularizado nos últimos anos por conta da pandemia de covid-19, que colocou muitas pessoas em casa e lhes ofereceu mais tempo para pensar sobre alimentação, considerando não só os aspectos biológicos, mas a busca por conforto, conexão com as pessoas e bem-estar. Kelly Zucatti explica que essa metodologia pode ser utilizada por qualquer pessoa e culminar na perda ou no ganho de peso — conforme a necessidade do paciente — na medida em que vai construindo autoconfiança para que cada indivíduo consiga cuidar de sua própria alimentação. Alguns perfis, no entanto, beneficiam-se especialmente da nutrição comportamental, como é o caso de pessoas que criaram relações ruins com a comida após se frustrarem muito com dietas restritivas.
— A nutrição comportamental é para todo mundo, pode ser utilizada por todos, mas pessoas com histórico de dificuldade na perda de peso, que já tiveram uma série de tentativas frustradas com outras dietas, parecem ter uma boa relação com essa técnica. Comer, nesses casos, tem outra cara. É a cara da culpa, do fugir das “rédeas”, do controle. Esse é um exemplo de paciente que se beneficia da nutrição comportamental, pois acabamos trabalhando essas questões — afirma a nutricionista.