Ou é falta de vocabulário, ou é preguiça: o que mais se faz é rotular os outros de loucos. Por nada. Por tudo. Se for mulher, então, é louca de nascença.
Não gostava de brincar de boneca, é louca. Repetiu a quinta série, é louca. Imagine o que ela escutará quando, adulta, tiver coragem para denunciar o patrão por assédio sexual (a louca está querendo chamar a atenção) ou recusar um convite para sair com um banqueiro (a louca está esnobando o ricaço para se valorizar).
De loucos e loucas, somos todos acusados, por qualquer drible que a gente dê na obviedade.
Teu amigo, que trabalhava há 25 anos numa empresa que pagava muito bem (e entediava que era um espetáculo), demitiu-se e foi vender prancha de surf na Austrália. Louco.
Tua mãe, casada com teu pai há 41 anos, que tinha na sala uma coleção de porta-retratos exibindo a felicidade do casal em festas e viagens, simplesmente pediu o divórcio por causa de uma paixão repentina por um colega do ioga. Deu o quê na cabeça da criatura?
Tua filha comentou, durante um almoço de domingo, como se nada fosse, que não pretende engravidar, nem hoje nem nunca. Ela está com 37 anos e não vê nenhuma gravidade na decisão. A avó apoia. Duas loucas.
Teu ex-namorado resolveu escrever poemas de amor e quer lançar o livro ainda este ano, louco não tem medo de passar vergonha.
Tua nora, não bastasse se locomover de bicicleta por toda a cidade, agora se matriculou num curso de paraquedismo, até parece que não tem marido, nem filhos, sempre foi uma caçadora de emoções, inventa essas maluquices só para se fazer de moderna.
Teu sobrinho raspou a cabeça. Máquina zero. Era um menino tão bonito.
Tua vizinha foi passar uma temporada num acampamento de trabalhadores sem-terra, a fim de colher informações para a tese de mestrado. Louca e esquerdalha.
Tua melhor amiga surtou, colocou para alugar um quarto dentro do próprio apartamento, diz que é para estudantes, precisa reforçar a renda mensal.
Que a insana não venha pedir socorro caso hospede um maconheiro.