Depois de trazer à superfície o debate de assuntos sensíveis e latentes sobre a felicidade das mulheres no podcast Bom Dia Obvious e no perfil no Instagram @Obvious.cc, de sua Agência Obvious, Marcela Ceribelli, 32 anos, lança seu primeiro livro, Aurora, o Despertar da Mulher Exausta (288 páginas, Editora Harper Collins) - em pré-venda até esta terça-feira (15).
Com a obra, a apresentadora convida todas as mulheres a se libertarem de amarras sociais e a refletirem sobre seus desejos mais genuínos. Curiosa inata — assim como a mãe, a jornalista Renata Ceribelli — a diretora criativa da Obvious divide com suas leitoras uma bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo de três anos de entrevistas com nomes em voga da psicologia e da psicanálise (incluindo Maria Homem, Valeska Zanello e Lucas Liedke, junto de convidados famosos como Bela Gil, Chico Felitti e Fernanda Paes Leme), aprofundando e esclarecendo os grandes dilemas femininos em torno do corpo, da saúde mental e física, da carreira e da maternidade — sobretudo, em tempos de redes sociais.
Marcela, que sempre fez as perguntas, agora mostra suas vulnerabilidades como nunca antes, "navegando" com as leitoras para desbravar caminhos menos exaustivos. Em um trecho marcante, a autora compartilha como chegou a um estágio de burnout em nome da carreira e como foi seu processo de autoconhecimento e busca constante, até hoje, por uma vida mais equilibrada.
Abaixo, você confere um bate-papo com ela:
Você criou um dos podcasts voltados ao bem-estar feminino de maior repercussão no país, o Bom Dia, Obvious, quando a febre pela plataforma iniciou. Passados três anos e 166 episódios, é chegada a hora de um novo desafio. Como o livro nasceu?
O podcast sempre foi sobre a minha curiosidade de entender mais sobre os outros. Nele, falo pouco ou quase nada sobre a minha vida. É sempre muito mais sobre a convidada e o assunto que estamos aprofundando. Já o livro sempre foi um grande sonho meu. Ele surgiu da construção do podcast, com tantos estudos e um desejo incontrolável de eternizá-los em algo que não fosse digital.
Toda a vivência e troca que tive com mulheres brilhantes e tantas perspectivas. O livro ficou muito rico, pois consegui coletar temas até o episódio 160 (do podcast). São muitas vivências e repertórios. Acho muito difícil que alguma mulher não se identifique com pelo menos um dos trechos.
Qual é a proposta de Aurora?
O livro quer fazer você olhar para múltiplas vivências femininas e se entregar à uma nova leitura sobre o que é ser mulher na sociedade hoje. Quando falo sobre “despertar” é justamente de cliques mentais que fazem você pensar: "não, espera aí, isso não é pra ser assim".
Digo, por exemplo, em um trecho sobre a “prateleira do amor” (conceito criado pela psicóloga Valeska Zanello, mediado por um ideal estético branco, louro, magro e jovem), que não tem volta uma vez que você descobre que existe uma "prateleira" em que as mulheres estão catalogadas e, a partir dali, os homens escolhem. E descobre quem está nas prateleiras mais altas. Não tem volta. É um despertar. Mesmo.
Agora, no livro, você se abriu mais com o público?
Nunca me senti tão vulnerável e exposta. É uma emoção muito diferente. Precisei desses anos do podcast pra conseguir me expor em um livro e me entender. Essa Marcela de hoje tem repertório suficiente para se compreender e dividir histórias pessoais que estão correlacionadas aos episódios do podcast.
Enquanto homens têm uma hierarquia do que é exigido deles, para as mulheres, é tudo de igual importância.
MARCELA CERIBELLI
CEO e diretora criativa da Agência Obvious e autora de "Aurora, o Despertar da Mulher Exausta"
A Obvious tem ampla presença digital e busca entregar conteúdos não tóxicos aos leitores. Em Aurora, você cita a internet e as redes sociais como um fator causador da exaustão coletiva, pois ele exige performance.
Acho que da maneira como a gente tem tratado a internet até hoje, de como deixamos ela nos controlar, e não o oposto, o final dessa história é trágico para todos nós. E eu não tenho uma visão ilusória de que a gente deveria deletar todos os aplicativos e não ter celular. Acho que isso não tem volta, mas precisamos ressignificar a nossa relação com as tecnologias e as redes sociais.
Vejo que estamos num buraco cada vez mais fundo. Em Aurora, tento não ser uma autora que problematiza sem trazer soluções, mas é um pouco difícil trazer uma solução rápida e concreta quando se vê que cada geração está mais "emburacada" nessa relação com as redes.
De que forma isso impacta mais as mulheres?
Nós, mulheres, somos o alvo principal quando se fala de "armadilhas mercadológicas", ou seja, grande parte do mercado é direcionado para que as mulheres gastem dinheiro, para que a gente se odeie... São muitos ganhando dinheiro enquanto passamos o tempo vendo o feed do Instagram. A gente se compara com alguém, vê fotos de "antes de depois" e, no próximo anúncio, aparece algo que pode solucionar isso.
Vivemos numa sociedade em que, enquanto os homens têm uma hierarquia do que é exigido deles, para as mulheres é tudo de igual importância. Se, para eles, a primeira prioridade na vida é "ser bem-sucedido" e, em segundo lugar, "ter uma família", em terceiro, ter uma boa aparência... Para as mulheres, tudo tem a mesma importância: temos que ser bem-sucedidas, mães, casadas, gostosas e felizes.
Nas redes sociais é ainda mais cruel porque nos é vendido que todo mundo ao nosso redor tem esse "pacote completo". Inclusive no episódio recente Me amo até pegar o celular, do podcast, falamos sobre o quanto nossos desejos hoje são realmente genuínos ou estimulados pelo que vimos online.
Pertencente à geração millennial (nascidos entre 1981 e 1995), você se propõe — inclusive com relato próprio e tocante sobre o burnout — a desconstruir a falácia de que "Se trabalhar com o que se ama nunca mais trabalhará na vida". Como dizer mais "sim" para si mesma sem culpa?
Fiz muita questão de abordar meu episódio de burnout porque, ao longo dos últimos dois anos, o que mais escuto ao meu redor é: "Não sei como você dá conta de tudo" e minha resposta geralmente é "não dou conta". As pessoas mais próximas a mim sabem que tenho o desafio de conviver com a ansiedade, mas no livro quis abrir que também sou vítima dessa cultura da glorificação do ocupado, que cresci ouvindo e acreditando.
Quero que as pessoas saibam que estou no mesmo barco que elas. E tudo o que trato no podcast, na verdade, também é uma jornada pessoal minha, para entender como posso sair desse ciclo e, ao longo do livro, vou investigando junto com a leitora. Era esse meu objetivo, acho que alcancei. Navegamos juntas.
Eu também, muitas vezes, não me sinto digna de sucesso. Eu também, às vezes, sinto que a minha ambição talvez arruíne as minhas relações. E vamos juntas descobrir ao longo desse livro? De quem já leu, ouvi que se sentiram abraçadas. Assim como por muito tempo disse que a Obvious era "um abracinho no seu feed", espero que Aurora seja um abraço de acolhimento para as mulheres.
A felicidade e a liberdade feminina incomodam?
Sim, ambas incomodam em todos os lugares. Não sei nem por onde começar, mas simplesmente incomoda. Você vê que as críticas às mulheres que estão na cultura pop são sempre maiores do que as dos homens. É só uma mulher dizer o que ela gosta na cama que ela logo é categorizada como "put*", porque a gente não pode ser livre.
Tem muita gente lucrando em cima da nossa tristeza, da nossa insatisfação, e isso vem desde o novo testamento - que eu trago, inclusive, no livro. Mulheres não foram feitas para pensarem nelas mesmas, mas sim para servir e, uma vez que ela está feliz e se sente suficiente com quem ela é, ela passa a ver que tem coisas que foram impostas a nós que não são desejos genuínos.
Sobre o trabalho emocional/invisível das mulheres, você traz uma pesquisa que indica que “casais que têm uma divisão igualitária são os únicos que tiveram um aumento da frequência sexual”.
Vejo tantas mulheres que se separaram, com filhos e que falam: "Nossa, sinto que agora só tenho um filho porque meu marido era o segundo". Então, estou falando, claro, de relações heterossexuais, mas você vê que, uma vez que uma mulher se sente livre, feliz e plena com quem ela é, deixa de cumprir papéis que são muito úteis na sociedade, mas que também passam pelo trabalho invisível das mulheres, que é essa carga mental que a gente assume nas relações familiares e amorosas, e até de amizades, assumimos coisas que não nos pertencem.
Outros dados apontam que a saúde mental da mulher casada é mais prejudicada do que a das solteiras, enquanto com os homens ocorre o oposto: casados possuem melhor saúde mental. Como equilibrar essa balança?
Não sou, como mulher, responsável pela felicidade e bem-estar de todos ao meu redor. Eu posso, claro, ser uma boa companhia; posso, em alguns momentos, abrir mão de coisas minhas pelo outro. Isso é altruísmo e também cabe. Mas qual é a desse altruísmo compulsivo? Quando é que o ápice da feminilidade virou você ser generosa? Então, a mulher, ela dá, dá, dá e o que ela recebe em troca?
E isso é muito grave porque, muitas vezes, o maior elogio, por exemplo, que uma mãe pode receber é "ah, a minha mãe largou tudo pra cuidar dos filhos. Olha, que excelente mãe". Aí a gente se pergunta: "Será que tenho que largar tudo para cuidar dos filhos?" O que é isso? Por quê? Então, isso incomoda em muitos, muitos âmbitos.
Sua pergunta às leitoras "O que você vai fazer por sua felicidade hoje?" tem destaque especial na obra. Muitas mulheres ainda sofrem opressão em todas as áreas. Conhecendo tantas realidades, qual sua percepção para que a vida da mulher brasileira seja mais feliz?
Quando questiono sobre "o que você vai fazer pela sua felicidade hoje", não falo sobre só uma responsabilidade individual, mas coletiva. Lutar pela sua felicidade também é cobrar de políticas públicas, que existam creches públicas pra que as mulheres de baixa renda possam deixar seus filhos e possam construir uma carreira e estudarem, ao mesmo tempo. Não é só responsabilidade individual porque isso também tem muito a ver com uma sociedade cheia de positividade e produtividade tóxica.
Quando uma mulher se liberta e se questiona, ela também liberta outras mulheres ao redor dela. Lutamos pela felicidade de todas nós
MARCELA CERIBELLI
CEO e diretora criativa da Agência Obvious e autora de "Aurora, o Despertar da Mulher Exausta"
Não significa que hoje eu precise fazer algo por mim, mas que tenhamos cada vez mais um olhar pro nosso coletivo, porque é um efeito em cadeia. Quando uma mulher se liberta e começa a se questionar sobre todos os pontos citados no livro, ela começa a libertar outras mulheres ao redor dela. É a importância de entender que a gente não se liberta sozinha.
Durante a leitura, é importante estar claro que quando pensamos na felicidade feminina como algo pelo qual todas nós estamos lutando em conjunto, por leis contra a violência à mulher e por salários igualitários, lutamos pela felicidade de todas nós.
Eu espero que Aurora seja a melhor das companhias que as mulheres tenham nos últimos tempos e, se eu conseguir mudar a visão de uma leitora sobre o que é ser mulher hoje na nossa sociedade, ou se entender melhor como mulher, eu já sinto que cumpri minha missão!