Autor do podcast A Mulher da Casa Abandonada, o jornalista Chico Felitti deu uma entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta quinta-feira (28) para falar sobre a repercussão da produção. O jornalista também adiantou que está envolvido em dois novos projetos.
Segundo Felitti, a reportagem em áudio, disponível no Spotify e em outros serviços de streaming, já alcançou 4 milhões de pessoas, com uma média de audiência de 2 milhões de plays por episódio — números sem precedentes no cenário de podcasts do Brasil. Em comparação, um produto de sucesso nesse segmento costuma chegar a uma audiência entre 60 mil e 80 mil pessoas.
— Não tinha como prever. Tudo foi surpresa nessa história — comentou o jornalista, que já criou outros três podcasts ao longo da carreira.
Lançada em 8 de junho, a produção da Folha de S.Paulo narra a história de Margarida Bonetti, a misteriosa moradora de uma casa abandonada no bairro Higienópolis, em São Paulo, uma das regiões mais elitizadas do país. Quando a conheceu, Chico achou que estaria diante de uma história de abandono e desamparo:
— Eu pensei que pudesse ser um livro mais lírico, ou um podcast mais poético, sobre a passagem do tempo e a solidão.
Ao começar a apuração, porém, ele descobriu que Margarida na verdade vive na casa abandonada porque é foragida do FBI. Conforme ele vai compartilhando com o ouvinte ao longo dos episódios, ela foi acusada nos Estados Unidos de manter, por quase 20 anos, uma empregada em condições análogas à escravidão, além de agredi-la e negar atendimento médico. Antes de ser julgada, ela fugiu para o Brasil e se esconde até hoje no imóvel, que faz parte da herança de sua rica família.
— Quando eu vejo o nome dela numa lista do FBI de anos atrás, eu penso: "Essa história é notável e não é o que eu esperava". Era o caso de se falar sobre como uma brasileira fugiu da Justiça de dois países e o que aconteceu, onde foi que nós erramos. E também falar de outros casos que vemos na mídia. Cada vez mais, vemos denúncias de resgates de pessoas que são exploradas dentro de casa no Brasil — contou Felitti.
Repercussão sem precedentes
Produzida em formato storytelling no gênero true crime, a série foi despertando cada vez mais o interesse do público à medida que os sete episódios eram lançados, semanalmente. A partir disso, o caso tomou proporções que fugiram ao que o jornalista havia previsto. Na semana passada, por exemplo, uma operação policial na casa abandonada reuniu dezenas de pessoas no local, com direito a cobertura ao vivo de programas policiais, live no Instagram e participação da influenciadora e ativista Luísa Mell, que resgatou os animais que viviam ali.
Depois disso, Felitti foi criticado nas redes sociais. Ao Timeline, ele respondeu que a equipe do podcast tomou alguns cuidados para evitar possíveis implicações práticas da reportagem:
— Sempre teve uma preocupação, a gente não dizia exatamente onde ficava a casa, a gente não mostrava fotos da Margarida, não mostrava nada que pudesse levar tão claramente a isso... mas a partir do momento que milhões de pessoas escutam, é um processo público. Saiu, na época (em que o crime foi descoberto, no início dos anos 2000), material a respeito, saiu até imagem da casa... se você jogar na internet, você descobre.
Para o jornalista, apesar de todo o "fuzuê" sobre o caso, o podcast cumpriu a missão de denunciar o caso de Margarida Bonetti:
— Acho difícil que crie-se uma nova narrativa de que essa pessoa é uma vítima. Vítima é a empregada doméstica submetida a trabalho análogo à escravidão — pontuou. — As pessoas que vão tirar foto e transformam a casa em um ponto turístico talvez não estejam se atentando tanto a essa discussão importante, mas acho que o grosso da situação (foi compreendida). São 50 pessoas na frente da casa. Perto das pessoas que ouviram, acho que é natural, acho que é um pedacinho.
Desde que o podcast foi ao ar, o número de denúncias de trabalho doméstico análogo à escravidão no Brasil teve um aumento de 67%, conforme dados divulgados pelo Ministério Público do Trabalho em um levantamento realizado a pedido de Felitti.
Novos projetos
Durante a entrevista, o jornalista descartou o lançamento de novos episódios de A Mulher da Casa Abandonada.
— A história está contada. Quando a gente trabalha com a realidade, temos uma limitação, que é o que aconteceu — justificou. — Não tem justificativa para escrever mais um episódio ou mais uma temporada.
Felitti, porém, está trabalhando em novos projetos:
— São duas histórias: uma é de um assassinato que nunca foi solucionado, de 40 anos atrás, e outra é de uma seita que existe hoje no Rio de Janeiro, que é inacreditável. Esta é que eu estou mais envolvido e é inacreditável.