A infância pobre, a rejeição do pai, a obstinação em se tornar famosa, a paixão por Juan Domingo Perón, a defesa dos seus "descamisados": são muitos os pontos na história de vida de Evita Perón que a tornam o maior mito político da Argentina. Mas há também uma história de morte. Depois que a ex-primeira-dama faleceu, em 1952, aos 33 anos, seu corpo foi embalsamado, sequestrado e exumado em uma saga que durou até 1976, quando finalmente foi sepultado no Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde jaz até hoje.
Buscando narrar essa história, estreia a minissérie Santa Evita nesta terça-feira, 26 de julho, data que marca o 70º aniversário da morte de Eva Duarte Perón. A seguir, veja o que se sabe sobre a produção da plataforma de streaming Star+:
História real
Adaptação do livro homônimo de 1995, do escritor argentino Tomás Eloy Martínez, Santa Evita é descrita como ficção, mas se baseia em fatos reais. Ao longo de sete episódios de 45 minutos, a obra imagina o que teria acontecido quando o corpo da ex-atriz foi roubado por militares, logo após a deposição de Juan Domingo Perón, na esteira do golpe militar de 1955.
À época, três anos haviam se passado desde a morte de Evita, em decorrência de um agressivo câncer de colo do útero. Mas o corpo dela permanecia "incorruptível", conforme afirmava o anatomista espanhol Pedro Ara, que ficou encarregado de embalsamá-lo usando técnicas de taxidermia.
Após o velório, que durou 13 dias, em meio a uma comoção popular que reuniu 3 milhões de argentinos, o corpo foi exposto em uma capela na Confederação Geral do Trabalho, a sede sindical do país, onde deveria ficar até que fosse construído um mausoléu, que se chamaria o Monumento ao Descamisado. O projeto, porém, acabou não saindo do papel a tempo.
Na noite de 22 de novembro de 1955, a ditadura militar ordenou uma operação para sequestrar o corpo de Evita, que só foi reaparecer 16 anos depois, em um cemitério em Milão, na Itália, onde havia sido enterrado sob o falso nome de María de Magistris. Nesse intervalo, mitos se misturam com fatos para preencher as lacunas, em uma trama com ares de realismo mágico no melhor estilo latino-americano.
Retrato do mito
Como sugere o título, Santa Evita reflete sobre o caráter mítico de Eva ao mostrar como os seus restos mortais se tornaram objetos de paixão e fanatismo para os homens envolvidos no seu embalsamamento e sumiço.
A uruguaia Natalia Oreiro relata que esse fator "foi algo muito difícil de se atravessar" ao longo de seu processo artístico para viver a protagonista.
— Houve uma obsessão total sobre seu corpo por parte dos homens e me pergunto o quanto de poder essa mulher deteve para que, mesmo morta, considerassem-na um perigo latente — contou ao Papel Pop. — Como mulher, não como intérprete, senti-me absolutamente ultrajada, humilhada por incorporar a experiência de uma pessoa violada por aqueles que não conseguiram possuí-la.
De acordo com as roteiristas Marcela Guerty e Pamela Rementería, há uma dimensão simbólica no corpo feminino que ganha eco na realidade latino-americana.
— O que acontece na série, do ponto de vista social e politico, é o que acontece com as mulheres agora — explicou Rementería, também ao Papel Pop. — Existe, não apenas na Argentina, mas em toda a América Latina, uma enorme batalha para nos controlar e isso despertou um interesse muito forte de trabalhar a partir dos campos simbólico e de metáfora.
O olhar feminino sobre a morte de Evita é uma das atualizações da série em relação ao livro do qual é adaptada. Mas há outras:
— Evita Perón está envolta em mitos, o que a torna intocável e ressonante. Primeiro, tivemos de desarmar essas associações, derrubar os mitos. Tomas Eloy Martinez investigou o período, mas depois escreveu um romance, que foi nossa base. Então fizemos muita pesquisa sobre o período e seu processo político — descreveu o diretor argentino Alejandro Maci à Variety.
Produção de peso
Planejada ao longo de 10 anos, Santa Evita conta com nomes de peso em sua produção. A atriz mexicana Salma Hayek, que interpretou outro ícone feminino latino-americano em Frida (2002), assina a produção executiva junto com o colombiano Rodrigo García, filho do romancista Gabriel García Márquez, que atua também como codiretor.
Ele divide essa função com Maci, que é ainda o diretor artístico. E ele teve trabalho. Segundo contou à Variety, a minissérie "foi um projeto de alta complexidade", porque se passa em cinco épocas diferentes: além de acompanharmos a saga do cadáver, também conhecemos a juventude de Eva Perón, nas décadas de 1920 e 1930, e a sua relação com Juan Perón, que é vivido pelo ator argentino Darío Grandinetti.
Para retratar tudo isso, a equipe de Santa Evita teve de criar reconstruções históricas, figurinos e sets. De acordo com o Star+, a produção foi filmada em mais de 40 locações em Buenos Aires, reuniu mais de 120 atores e 1,3 mil figurantes e contou com mais de 80 veículos antigos.