Sempre torço pelo goleiro, o homem elástico que se estica para cima e para os lados. Roça os dedos na bola e se estatela no chão sem quebrar a clavícula. No susto, se agiganta, defende com o peito, com o ombro, com a barriga, com a coxa, é todo ele uma parede.
Torço por quem não ataca, é atacado. Não é o maior salário do time, nem a estrela do comercial de cerveja ou o garoto-propaganda do banco. O goleiro é o Ringo Starr do gramado.
Torço pelo goleiro porque é único, tem um uniforme só para ele e um treinador também. Não pode “sair da casinha”, se afastar do trio de traves que o circundam, e é por suas limitações que poderá vir a ser um transgressor: quando seu time precisa fazer um gol de qualquer jeito no minuto final da partida, o goleiro desatina, abandona o posto, dispara lá do outro lado do campo para ser mais um a tentar cabecear no escanteio terminal. Quase nunca funciona, mas o espírito de coletividade dá uma sobrevida à nossa esperança, a fé da gente dura até a próxima Copa.
Torço pelo goleiro, mais que tudo, pelas dramáticas decisões por pênaltis. Depois de 120 minutos que não adiantaram para nada, a vitória dependerá apenas da concentração de quem chuta e da sorte de o goleiro saltar para o lado certo — tirem os cardíacos da sala. Pois torço até para o goleiro adversário: que ele tenha seu momento de glória, levante o estádio, vibre com o seu solo, esqueça a humildade.
Já estive a 11 metros do crime, na marca do pênalti. O jogador profissional que chuta a bola para fora ou na trave só pode estar muito nervoso ou desfocado. Que brilhe, então, o arqueiro, o arquétipo, e orgulhe a família inteira. Mesmo quando não toca na bola, apenas se safa com o erro do outro, merece socar o ar pelo gol desperdiçado.
Torço por ele como torço pelos alegres times africanos, que parecem jogar pelo prazer do esporte e não pelo patrocínio e por contratos rentosos: jogam pela emoção, pela farra e pela mãe. Ainda se vê ali o espírito das peladas de várzea, das arquibancadas de madeira, dos chinelos fazendo as vezes de goleira (mal desviei do assunto e já atrasei a bola para o goleiro outra vez).
Eu sei, não existe amador nesse universo, amadora sou eu falando de futebol, mas não é sobre futebol, é sobre humanidade, tenho um fraco por homens e mulheres que são vistos como coadjuvantes e batalham para provar seu valor, torço pelo goleiro como quem torce pelo mais magro no boxe, pelo maratonista que está desidratado, pela estudante bolsista, pelo menino tímido do baile, torço pelos goleiros como quem torce pela ideia audaciosa que a estagiária apresentou na reunião, pelo livro de estreia de um poeta, pela menina que trocou de escola e não conhece ninguém, torço pelos que agarram as bolas violentas e as devolvem para a vida, suavemente.