Um evento do porte da Copa do Mundo tem sempre mais a mostrar do que a bola rolando. Nem tudo o que importa acontece apenas dentro do gramado, ante as câmeras e os holofotes. Pode-se marcar gols em pontos diferentes do estádio. É o caso da seleção japonesa, que estreou com uma vitória inesperada sobre a Alemanha, um feito de arregalar os olhos, mas deu show mesmo foi no vestiário. Até a Fifa se impressionou.
Ao término da partida contra a seleção alemã, os jogadores japoneses voltaram para o vestiário, tiraram seus uniformes, dobraram, guardaram, devolveram os cabides a seus lugares, e a julgar pela foto do local, também lamberam o chão, escovaram as paredes, passaram um pano nos armários.
Mesmo esgotados pelos 90 minutos em que correram, suaram, driblaram e marcaram em campo, sobrou energia para deixar a sala onde guardaram seus pertences igualzinha a uma locação de propaganda de material de limpeza. Cheguei a pensar que eram patrocinados pelo Pinho Sol e não pela Adidas.
Nas arquibancadas, viu-se o mesmo comportamento, como se fosse uma ação orquestrada. Assim que o juiz apitou o final da partida, os torcedores japoneses comemoraram do jeito que sabem: sem exaltação frenética, e sim com as boas maneiras que trouxeram de casa. Recolheram copos, garrafas, embalagens e colocaram tudo em sacos de lixo.
Estaria havendo uma competição paralela no Catar? Se a disputa for pelo povo mais bem educado, nem precisamos chegar ao domingo 18 de dezembro para saber quem levanta a taça.
Isso tudo faz lembrar o famoso discurso que um ex-almirante da Marinha americana, William H. McRaven, fez em 2014: “Se você quer mudar o mundo, comece arrumando sua cama pela manhã”.
Infelizmente, em sociedades escravagistas como a nossa, a tendência é pensar que não precisamos fazer pequenos serviços quando há gente sendo paga para fazer por nós. Os japoneses baniram oficialmente a escravidão em 1590, o que explica, em parte, seu avanço exemplar. Os Estados Unidos, em 1865. O Brasil, o último da fila, em 1888 – datas para registros em livros de história, pois sabemos que se a mente continua intoxicada pela ideia de que a sociedade é dividida entre pessoas superiores e inferiores, a exploração não cessará nem hoje, nem nunca.
Portanto, juntemos o cocô que nosso cachorro fez na calçada, já que a rua é de todos e não só de alguns. Coloquemos no bolso o papel de bala que largamos displicentemente no chão do estádio, lavemos o prato da pipoca e o copo de cerveja que deixamos sobre a pia, entre outras oportunidades diárias de fortalecer nosso caráter. São os gols que qualquer um de nós pode marcar, em vez de apenas se sentar em frente à tevê para assistir aos gols dos outros.