Como mudou o futebol de 1970 para cá! Naquele esquadrão estrelado, com Pelé, Tostão, Jairzinho, Gerson, Rivelino, nenhum jogador atuava no Exterior. Todos os 22 jogadores jogavam em clubes brasileiros, de Félix, o goleiro, que atuava no Flu, a Edu, o reserva da ponta-esquerda, teoricamente o número 22 daquele grupo, que jogava pelo Santos. Também já mencionei, o nome do jogador não era Edson Nascimento, como costumam chamar jogadores hoje em dia, com nome e sobrenome. Era Pelé. O cruzeirense Tostão não era chamado Eduardo Gonçalves. Outro exemplo: o meio-campo do time de Telê Santana em 1982, na Espanha, tinha Toninho Cerezzo, Falcão, Zico e Cócrates, mais um quinto jogador emblemático daquela Seleção, Junior. Afora Cerezzo, todos com nomes simples, solidamente vinculados a clubes bem conhecidos: Cerezzo com o Atlético Mineiro; Falcão com o Inter, embora já estivesse na Roma; Zico e Junior, com o Flamengo; Sócrates, com o Corinthians. Havia uma relação explícita e escancarada com os torcedores. Sem falar nos filtros entre torcedor e jogadores, bem maiores atualmente. Hoje, temos Bruno Guimarães, Thiago Silva, Everton Ribeiro, Gabriel Martinelli, e assim por diante. Era um mundo muito diferente o do futebol daquela época, em que a modalidade era menos negócio e mais paixão.
Assim, com tais características que evidenciavam proximidade com o torcedor, pelo nome simples e de fácil identificação e reconhecimento, pela vinculação com os clubes do país, sabíamos quem eram os jogadores, em quais times jogavam, a história de cada um, a trajetória, o perfil. Em tempos anteriores à Copa de 70, alguns jogadores já se aventuravam pelo futebol internacional, e em clubes grandes e tradicionais. Como Evaristo, que ainda não era Evaristo de Macedo, como Flávio Minuano, ou Flávio Bicudo. Mas aquilo era pontual, não era o fenômeno que se verifica hoje, a revoada de jogadores para a Europa e outros destinos.
O primeiro jogador brasileiro de uma Seleção de Copa, a partir de 1974, a alçar voo para a Europa foi Marinho Peres, que mais tarde jogaria no Inter. Na convocação para aquela Copa, jogava no Barcelona. Logo após a Copa da Alemanha, a revoada começou, com Paulo Cézar Lima, ou Paulo Cézar Caju, e Jairzinho, para o Olympique de Marselha. Ainda nos Anos 70, a transferência de jogadores para a Europa era moderada, mas nos Anos 80, não foi possível segurar mais.
A situação hoje chega ao ponto de diversos jogadores serem convocados, mas o torcedor comum não sabe exatamente onde surgiram, qual sua trajetória. A Seleção de Tite que disputou a Copa do Catar tinha apenas três jogadores jogando no Brasil: Weverton (Palmeiras), Everton Ribeiro e Pedro, ambos no Flamengo. O resto, todos na Europa, a exceção de Daniel Alves, que estava no México. Para quem não está tão próximo do ambiente do futebol, os casos mais emblemáticos de jogadores de Tite dos quais pouco se desconhece a trajetória são Bremer, que saiu do Atlético Mineiro, Bruno Guimarães, cria do Atlético Paranaense, e Gabriel Martinelli, revelado pelo Ituano. Particularmente, fico a cogitar como pode a Seleção ser campeã com jogadores que mal conheço. Enfraquece o vínculo.
Torcer, um tempo atrás, era mais raiz, mais próximo, era mais intenso.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.