A mais remota lembrança que guardo de uma Copa do Mundo vem desde antes da Copa de 70, a primeira a que assisti de fato e passei a ter a compreensão de seu enredo e significado. A mais remota lembrança é a da Copa de 66, na Inglaterra, vencida pelos donos da casa em uma época em que não havia a menor cogitação sobre o VAR. Se houvesse, talvez o resultado daquela final contra a Alemanha – então Alemanha Ocidental – tivesse sido outro. Aquela bola do terceiro gol inglês não passou a linha de jeito nenhum. Mas a rainha estava lá, e a decisão da arbitragem, induzida ou não pelo ambiente, possibilitou a reverência.
Isso tudo fiquei sabendo depois. Do que me lembro é do primeiro jogo do Brasil naquela Copa. Depois de vencer em 58 e 62, o Brasil foi mal na Inglaterra. Foi péssimo. Ainda assim, venceu o primeiro jogo, um 2 a 0 contra a Bulgária, e é deste dia que me recordo. Foram dois gols de falta, no último jogo de Copa em que Pelé e Garrincha jogaram juntos. Cada um fez um gol de falta. Era uma tarde qualquer, em um meio de semana, o dia era 12 de julho de 1966, e eu, então com 5 anos, era cuidado por minha avó paterna, que me ensinou a ler e escrever. Ficava na casa dela, enquanto meus pais trabalhavam. Não havia televisão, então lembro de minha avó escutando o jogo em um radinho de pilha portátil, na cozinha, e eu ao lado dela, ouvindo aquela narração, que não sabia do que se tratava e para que servia. Ela me traduziu tudo aquilo, dizendo, com alguma satisfação, que o Brasil havia ganhou por 2 a 0, e a vida seguiu. Depois, desse jogo, a Seleção desandou, e perderia os dois seguintes para Hungria e Portugal, ambos por 3 a 1.
Ali na Casa de minha avó foi que comecei a estabelecer uma relação principiante com o futebol. Havia uma peça em madeira, um galpão, aos fundos do pátio, e naquele depósito, havia uma infinidade de revistas de esporte, a Gazeta Esportiva Ilustrada, que marcou o mercado nos Anos 50 e 60. Revistas compradas por meio pai e pelo irmão dele, que estavam ali dispersas. Na época, sem os gols mostrados na tevê, que ainda era artigo de consumo de luxo, só possível nas residências de famílias de maior poder aquisitivo, ainda sem os "gols do Fantástico", portanto, a Gazeta Ilustrada preenchia essa lacuna. Publicava gráficos desenhados com a movimentação dos jogadores e sua participação nos gols. A Ilustrada desenhava os gols. E eu, criança, encontrei esse tesouro no quartinho dos fundos da casa de minha avó. Ficava admirado, e fui devorando revista por revista. Foi minha iniciação no futebol.
Ainda da feia Copa de 1966, lembro também do jogo final, que meu pai e outro tio meu ouviram pelo rádio, logicamente _ relembrando que a tevê era artigo de luxo. Inglaterra campeã, a informação vazou logo e chegou até a criançada, com alguma reclamação à Seleção, pois os brasileiros estavam se acostumando a ganhar. Mas não entendíamos direito aquilo e voltamos a brincar, eu e meus primos, no terreno baldio da esquina. Para nós, Copa mesmo, só a partir de 70. E que Copa! Para fazer esquecer o fracasso de 66.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.