O carrossel é um brinquedo que me é familiar, presente nas pracinhas e parquinhos no meu tempo de ser criança. Já faz tempo, em uma época em que a concorrência da tecnologia simplesmente não existia. Época anterior até mesmo aos primeiros videogames de que se tem notícia. Então, brincar nos parquinhos era uma alternativa corriqueira para a criançada, a socialização desde cedo com os amiguinhos, ou com novos amigos, em brincadeiras compartilhadas no mundo real, em contato direto. O carrossel era um dos brinquedos mais populares das pracinhas e parquinhos. Brinquei muito girando nesses equipamentos.
Outra referência sobre os carrosséis está na música de Toquinho: "A vida se abrirá num feroz carrossel." A vida gira o giro dos carrosséis de forma frenética. Carrossel, assim, remete ao lúdico, ao movimento. Remete à Seleção da Holanda em 1974.
Se houve alguma revolução no futebol, nesses anos todos, ela foi praticada pela Seleção da Holanda, treinada pelo célebre Rinus Michels, na Copa da Alemanha em 1974, que ganhou o apelido de Laranja Mecânica, e também de "carrossel holandês". Porque seus jogadores giravam ou se movimentavam à semelhança de um carrossel. Tinham posições de referência, mas apareciam em diversos lugares do campo. Mas a Holanda não ganhou aquela Copa, perdendo para a Alemanha Ocidental no jogo final por 2 a 1. Certamente, foi a maior injustiça já perpetrada pelos deuses do futebol.
A Seleção da Holanda de 1974 conquistou corações. Eliminou o Brasil naquela Copa, mas, até hoje, é a segunda seleção de muita gente. Pelo menos assim é no meu caso. Além de seu futebol marcante e revolucionário, tinha outra característica também marcante: a cor laranja de sua camisa. E na primeira Copa transmitida em cores. Além do impacto tático, também tinha esse impacto visual. E havia pelo menos um gênio em sua equipe, Johan Cruyff, o número 14, além de outro gênio, o próprio Michels, no banco. Mas o grupo inteiro tinha qualidade técnica, que não pode faltar, seja qual for a revolução.
No formato tático, a Holanda se armava, teoricamente, em um tradicional 4-3-3 com Cruyff escalado como centroavante, mas que se movimentava por todos os lados e todos os lugares. Todos se movimentavam freneticamente. Corriam, saíam de campo extenuados. Hoje em dia, muitos jogadores caminham, ou troteiam. Os holandeses deslocavam-se e, no espaço onde quem deveria estar não estava mais, surgia outro jogador, de outra posição. Esse era o carrossel. A Holanda praticava conceitos que se pretende presentes no dito futebol moderno: marcação alta, intensidade e movimentação. Já estava tudo lá na Copa de 74, e muito mais. Havia momentos estratégicos do jogo em que pelo menos quatro jogadores da Holanda _ ou mais _ corriam em direção ao jogador adversário que estava com a bola. Visualmente, essa era a característica mais revolucionária, como se, a um sinal, corressem vários jogadores de laranja em direção a quem estava com bola, que fatalmente seria recuperada pelos holandeses. Tudo em nome de um futebol ofensivo. Foram 15 gols em sete jogos. A Seleção da Holanda mexia com o lúdico, praticava um futebol diferente, alegre, revolucionário, em uma época em que se fazia imprescindível ser revolucionário.
Era como girar intensamente em um carrossel no parquinho. A vida começava a se abrir num feroz carrossel. Como assim era o futebol da Holanda. Nunca se viu algo igual no mundo do futebol.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.