A cozinha sempre foi o seu lugar preferido da casa e, como ela mesma diz, do mundo inteiro. Cozinhar a preenchia e servia como terapia desde a sua adolescência. Natural de Buenos Aires, capital da Argentina, Paola Carosella vem de uma família de imigrantes italianos com mulheres que plantavam, colhiam e cozinhavam intensamente. E são as duas avós, Mimi e María, que Paola tem como suas maiores referências culinárias.
Na infância, ela fingia que o aquecedor de água, em frente à bancada da cozinha, era uma câmera de TV, e que ela era a cozinheira famosa apresentando um prato que preparava de verdade. Mesmo sem saber, as brincadeiras de criança foram construindo aos poucos a Paola Carosella que conhecemos hoje: cozinheira, chef de cozinha, empresária, mãe, escritora, apresentadora e muitas mais.
Somente no início dos anos 1990, Paola começou na cozinha profissional. Na época, na Argentina, existiam poucos restaurantes e nenhum curso de gastronomia. Então, decidiu começar um curso de administração hoteleira, mas que não durou muito tempo. Depois de muita persistência, encontrou um restaurante que cobrava um salário mínimo para que ela estagiasse na cozinha. "Eu pagava para trabalhar, mas foi assim que eu comecei nesse caminho", relembra.
Depois, ainda em Buenos Aires, trabalhou com grandes cozinheiros, como Paul Azema e Francis Mallmann. Alguns anos depois, morou e cozinhou em restaurantes de Paris, na França, de Maldonado, no Uruguai, de Mendoza, na Argentina, e de Nova Iorque e São Francisco, nos Estados Unidos.
Será que importam as estrelas, os prêmios, ou será que importa curtir o processo?
PAOLA CAROSELLA
Apenas em 2001, Paola chegou a São Paulo para abrir e dirigir a cozinha do Figueira Rubaiayt, ao lado de Francis Mallmann e Belarmino Fernandes Iglesias. Em 2003, abriu o seu próprio restaurante: o Julia Cocina, uma homenagem a Julia Child, célebre apresentadora de televisão americana, e autora de livros de culinária. O lugar era pequeno, com a cozinha aberta ao público e um cardápio que mudava quase todo dia - e que lhe rendeu diversos prêmios.
Após tirar dois anos sabáticos, depois de fechar o Julia Cocina, Paola abriu o Arturito, em 2008, um restaurante com foco na cozinha clássica mediterrânea descomplicada, mas que mistura as raízes e as origens da chef. Há cerca de 9 anos, mesmo tendo sete sócios, o Arturito passou por muitas dificuldades financeiras e estava à beira da falência. Inconformada com a situação, Paola foi ao banco pedir um empréstimo para comprar as partes dos sócios e, a partir dali, passou a fazer tudo do jeito dela.
O restaurante ganhou mais clientes e pagou todas as dívidas. Mas, nessa época, a chef fazia tudo no Arturito, menos cozinhar. Então, resolveu que, toda sexta-feira, iria para a cozinha. E foi nesta fase que ela criou todas as receitas publicadas em seu livro, chamado "Todas as Sextas", publicado em 2016.
Em um dia de operação do restaurante, a cozinheira preparou empanadas para o almoço, que tiveram que ser repetidas no jantar. O sucesso foi tanto que surgiu o La Guapa, um lugar só para vender as iguarias e doces latinos artesanais, em São Paulo.
Nesta semana, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, conversamos com a chef sobre sua carreira e a presença das mulheres na gastronomia. De quebra, ela ainda compartilhou uma receita superespecial de nhoque com a gente.
Quando e como foi que você decidiu que cozinhar seria a sua profissão?
Comecei a cozinhar cedo, aos 18 anos, quando terminei a escola. Já tinha tido contato com a cozinha caseira na casa das minhas avós, Mimi e María, e cozinhei muito na adolescência, seguindo os programas de TV. Sem entender, sem eu sentir que isso era uma terapia, de alguma forma, preenchia meus espaços e me cativava, eu gostava muito de cozinhar. Quando chegou a hora de escolher uma carreira, não queria estudar nenhuma outra coisa, mas não havia escola de gastronomia. Então, procurei algum espaço que me recebesse para cozinhar. Isso era 1989 e, na Argentina, tinha poucos restaurantes. Então, eu encontrei um curso de administração hoteleira. Eu me inscrevi e fiz muito pouco, honestamente, eu não lembro se foi um mês ou uma hora, mas sei que foi muito curta a minha passagem. Continuei a pesquisa para ver se encontrava quem poderia me receber na cozinha como estagiária, até que encontrei um restaurante que me cobrava um salário mínimo. Eu pagava para trabalhar. E foi assim que eu comecei. Não sei se eu decidi que cozinhar seria a minha profissão, mas eu fui cozinhando e construindo uma profissão.
O que mudou na Paola do início de carreira para a de hoje? Se você pudesse dar um conselho para aquela Paola, qual seria?
É muito difícil você olhar para o começo de uma carreira com o conhecimento de 30 anos de profissão. Acho que no começo a gente está muito ávido para aprender e muito ansioso para chegar em algum lugar. Talvez o meu conselho seria: aproveita esse momento de não saber, sem querer preenchê-lo rapidamente com tudo, aproveita o vazio, o não conhecimento, aproveita o caminho, sabe? Não queira chegar tão rápido, porque um dia você vai chegar e, talvez você possa ter perdido a oportunidade de aprender algo que era importante por estar olhando muito para a frente. Esteja no lugar, estando, sem tanta ansiedade.
Durante esses seus 30 anos de profissão, você considera que a relação das pessoas com a comida mudou? De que forma?
Eu acho que mudou muito. Estamos atravessamos um momento de extrema confusão alimentar. Há 30 anos, tínhamos comida, talvez tínhamos as regionais, as de diferentes países, mas, enfim, era comida. Hoje temos comida de verdade, ultraprocessada, ultraindustrializada, desidratada, sem glúten, vegana, do futuro, do passado, enriquecidas com vitaminas e ferro, sem vitaminas, com probióticos... Eu acho que um dos fatores mais importantes nessa mudança da forma como nos relacionamos com a comida seja a pulverização do lar, a falta de pessoas que cozinhem para outras, a falta da família como comunidade e espaço que nutre e alimenta. Um grande número de pessoas, sobretudo, jovens, que não sabem cozinhar e que são bombardeados com propostas que prometem mudar esse problema, são grandes clientes para uma indústria alimentícia que cresce cada vez mais e ocupa um lugar que não corresponde.
Como você percebe a presença das mulheres nas cozinhas profissionais?
Acho que a mulher sempre ocupou um espaço na cozinha profissional, mas provavelmente não era um espaço de destaque. As mulheres nos restaurantes e nos grandes hotéis cinco estrelas estavam na faxina, limpando banheiros, talvez fazendo algumas coisas de padaria, de confeitaria. Aos poucos, talvez nos últimos 20 ou 30 anos, fomos conquistando um espaço que vem junto com uma desconstrução de uma sociedade machista. Não é só falar "que legal, a mulher pode conquistar espaço" ou olhar que tem exemplos como eu, Roberta Sudbrack e outras gigantes chefs de cozinha e cozinheiras no Brasil e no mundo. Precisamos olhar também para os lugares mais escondidos, não necessariamente os de glamour. Pensar nas diferentes camadas sociais, em qual espaço a sociedade deixa a mulher estar. E quando eu falo "deixa estar", é porque, para ocupar espaços e exercer outros papeis como a maternidade, chef de família ou como cuidar da sua família, precisa de um apoio da sociedade que, até hoje, não tem.
O que podemos esperar desse novo momento de Paola Carosella?
Olha, nem eu sei muito bem. Acho que a decisão de saída do MasterChef foi muito séria e tomada com uma enorme responsabilidade. Eu sentia que tinha dado absolutamente a última gota do que eu tinha de mais original e de mais intenso, e quando eu reparei que não tinha mais e que eu iria ficar em uma espécie de repetição, eu tomei a decisão. Isso abriu um espaço que eu rapidamente ocupei - não fiquei nem meia hora quieta - me dedicando muito mais ao La Guapa, ao Arturito, ao canal no YouTube, no qual eu estou me divertindo muito. Mas, ainda, o foco principal é o trabalho de empresária e cozinheira, e cuidando muito da minha filha, talvez recuperando um tempo que eu não tive quando ela era menor, quando realmente tive que trabalhar muito. Estou usando esse tempo para isso: restaurantes, cozinha, um pouco mais de leitura, de pesquisa, maternidade, a minha casa. Vamos ver o que vem.
Como foi a sua adaptação pessoal durante a pandemia? E sobre a adaptação do Arturito e do La Guapa?
Eu acho que ainda estou me adaptando. Essa pandemia não termina e a gente vai se reestruturando e se reacomodando. A cada mês é uma emoção diferente. Ela trouxe, sim, muito mais tempo para estar com a minha filha, para olhar mais para a minha casa. Sou desse grupo de privilegiados que conseguiu fazer isso. Sobre o Arturito e La Guapa, bom, foi pauleira. Foram constantes adaptações. Primeiramente, fechamos ao público, porque era o que o governo indicava. Depois, fomos nos acostumando aos horários diferentes. Mas o que eu resgato de tudo que aconteceu é a força, a resiliência e a paixão das pessoas que trabalham com a gente. Eu tenho um sócio maravilhoso, o Benny, que temos uma parceria incrível, mas sem a pessoas que fazem parte das nossas equipes, a gente não teria chegado a lugar nenhum. Existe uma coisa na nossa profissão, e tomara que seja em qualquer uma, que é uma paixão muito grande por aquilo que se faz, que vai além do compromisso, que vem do estômago mesmo, de uma vontade de fazer bem feito. Eu acho que graças a essas pessoas que trabalham com esse tesão e com essa vontade de fazer bem feito é que a gente chegou até aqui. E, agora, em pé ainda.
Qual seria o seu conselho para as mulheres que sonham em serem cozinheiras e chefs de cozinha?
É um mundo difícil, cheio de egos, no qual a gente pode entrar em uma competição contra a gente mesma, o que é muito perigoso. Acho que nada melhor do que entender onde queremos chegar, o que realmente importa. Será que importam as estrelas, os prêmios? Ou será que importa curtir o processo? E são dois caminhos muito diferentes. Mesmo que os dois sejam quase um sacerdócio, porque a cozinha demanda muito, muito, muito tempo, e são tempos contrários. Às vezes, a gente trabalha até 3 horas da manhã, e às 6h está de volta amassando pão. Então, eu acho tem que entender muito bem onde se quer chegar, o que quer fazer. Entender o custo disso, se estão dispostas e se a recompensa paga.
Qual é o seu prato favorito, aquele que te remeta às boas memórias afetivas? Você poderia compartilhar a receita conosco?
Sem dúvida alguma, o nhoque da minha avó Mimi com uma mistura da minha avó María.
- 700g de batatas
- Água para cozinhar
- Sal a gosto
- 1 ovo
- 120 gramas de farinha de trigo
Modo de preparo:
- Descasque as batatas e corte em pedaços médios. Em uma panela, leve para cozinhar com água e sal.
- Quando estiverem macias, mas sem desmanchar, escorra a água e mantenha a panela com as batatas para secar a água que elas absorveram. Cuide para não queimar.
- Ainda em fogo baixo, como o auxílio de um amassador ou um garfo, amasse as batatas até formar um purê.
- Transfira o purê para uma bancada ou uma superfície lisa e limpa. Espere esfriar um pouco até que esteja confortável de manusear.
- Faça um buraco no meio do purê, acrescente o ovo e uma colher de chá de sal. Aos poucos, com um garfo, incorpore o ovo às batatas amassadas.
- Em seguida, aos poucos, peneire a farinha nas laterais de fora para dentro e incorpore com as mãos até que desgrude. Se necessário, acrescente um pouco mais de farinha peneirada.
- Divida a massa em quatro partes iguais, cubra com pano e deixe descansar por 30 minutos.
- Depois, divida a massa novamente em oito partes e enrole cada uma formando um cordão, não muito fino.
- Enquanto isso, leve ao fogo uma panela grande com água para ferver com sal.
- Volte para os nhoques e corte os cordões em pedacinhos de, mais ou menos, 1,5 cm cada. Faça isso com toda a massa e reserve.
- Passe cada nhoque por um garfo, para que eles fiquem riscados e, desta forma, agarrem mais o molho escolhido.
- Quando a água estiver fervendo, jogue os nhoques. Quando todos eles subirem, estarão prontos. Retire com uma peneira e misture-os delicadamente no molho de sua preferência.