Não é porque dispomos de muitas coisas (recursos, produtos, o que for) que precisamos usar tudo ao mesmo tempo. Não é porque se pode (tudo pode, somos adultos) que se deve. É o que me vem à cabeça quando vejo tanta gente complicando seu trabalho na cozinha, nas bebidas.
Vou dar uma viajada aqui, mas prometo que retorno ao ponto.
Vocês já notaram que os bebês, nos primeiros meses de vida, apresentam movimentos frenéticos de braços e de pernas? Mexem, agitam, balançam incessantemente? É uma fase de descobertas, de buscar saber do que são capazes os seus membros, algo que faz parte do desenvolvimento motor. Depois passa, porque aí a criança começa a se mover conforme aquilo que de fato vale a energia que precisa ser gasta. O supérfluo se vai.
E vocês já repararam numa categoria de música em que as interpretações, de tão rebuscadas e floreadas, quase escondem as melodias originais (me desculpem os fãs, mas acho que o pianista Liberace é um bom exemplo)? É tanta técnica, tanta capacidade de improvisar, que, fosse um contexto culinário, eu diria que o chantilly ganhou muito mais volume do que a própria torta e seu recheio.
Pois é assim que acontece quando um chef, de formação virtuosa, decide colocar todos os seus conhecimentos num prato. Num arroubo de inventividade, ele decide preparar uma receita com vários processos, muitas técnicas, um monte de insumos – muita informação, enfim. Domina vácuo, nitrogênio líquido, esferificação, mas também defuma e fermenta. Só porque ele tem tantos predicados, precisa botá-los em prática? Não. Sob o risco de servir algo que só confunde o comensal, perdido em meio a tantos sabores, texturas e ideias.
De forma semelhante, no fogão da sua casa, não é porque você ganhou um kit novo com temperos de tudo que é tipo que precisa usá-los num único jantar. Ou porque montou um pequeno bar em casa que deve arriscar um coquetel com todos os destilados à mão. Pois existe uma harmonia que precisa ser considerada. E aquele bom senso para valorizar poucos e ótimos ingredientes. Tudo tem hora, tudo tem medida.
**Luiz Américo Camargo é crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
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