As duas palavras do título, em muitos casos, parecem opostas. E podem ser mesmo, em inúmeras situações. Mas às vezes as aparências enganam – e certas ideias precisam ser lidas para além dos clichês.
Sustentabilidade, orgânicos, da-lavoura-ao-prato, reciclagem, desperdício zero... São conceitos louváveis e ainda novos no universo dos nossos restaurantes. Mas seriam para uma elite, mais do que uma prática viável. Teriam mais a ver com cidadania e imagem pública do que com saúde comercial. Verdade? Vejamos.
Um restaurante aberto há poucos meses em São Paulo, o bom e muito comentado Corrutela, vem borrando, a meu ver, a oposição entre romantismo e racionalidade. Criado por César Costa, jovem chef e pesquisador, com longa vivência no Exterior e disposição ímpar para a investigação de ingredientes e métodos, o Corrutela parece concretizar o sonho dito alternativo.
Para processar o lixo, há uma composteira. Parte da energia vem do sol, graças a placas instaladas no telhado. O pão? Não se faz com farinha comprada, mas com trigo em grãos, moído no local – tal qual acontece com o milho, que vira polenta. Chocolate? Também é o da casa, pois até as amêndoas de cacau são torradas e trabalhadas ali. Já o leite, é entregue em galões retornáveis, assim como os vegetais, orgânicos e da estação, não utilizam embalagens plásticas.
Da matéria-prima, o cardápio aproveita tudo.
Idealismo? Prazer em trabalhar da forma mais artesanal possível? Sem dúvida. Mas interessante também na ponta do lápis, segundo o chef. Processar o lixo tem saído mais barato do que pagar empresas para recolhê-lo. Evitar os descartáveis reduz o preço do leite, dos legumes e das verduras.
Criar relação direta com agricultores tira da conta a mordida voraz dos intermediários. O tempo e o dinheiro investidos inicialmente, portanto, valerão no médio prazo, talvez até no curto. Isso é para todo mundo? Ainda não. Mas também não é para só um: muitos outros estabelecimentos poderiam pensar em rever práticas e melhorar suas conexões com fornecedores. Não apenas porque é nobre e responsável. Pode ser também um negócio interessante.
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Romantismo ou racionalidade? | Luiz Américo Camargo
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