*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Bob Dylan ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, como vocês sabem. Mereceu ou não mereceu? A Academia foi visionária ou só debochada? Reconhecimento a um mito ou desrespeito com escritores de carreira? A controvérsia segue armada (nota pessoal: eu gostei). Não vou discutir aqui a decisão, mas ela expressa um pensamento menos convencional sobre o que seria ou não grande literatura.
Recuemos agora aos anos 60, à redação do New York Times. Craig Claiborne, editor de gastronomia e crítico, fez uma
pequena revolução na cobertura de restaurantes ao propor algo óbvio nos dias de hoje, mas não naquele tempo. Ele passou a incluir, em suas resenhas, a cozinha mexicana, a chinesa, a caribenha... Uma mudança e tanto, numa fase em que só se levavam a sério as tradições da Itália e da França. Precursor do sistema de estrelas (na imprensa americana) para classificar estabelecimentos, ele passou a usá-las inclusive fora da dita alta gastronomia.
São esses exemplos que me fazem pensar que, mesmo aquilo que é básico e prosaico – um restaurante, um prato – pode ser maravilhoso e digno de glória. Se um cozinheiro prepara uma refeição trivial usando os melhores ingredientes, com as técnicas mais apuradas, com sabedoria e equilíbrio, seu trabalho não merece todo o louvor? Note-se que estou falando de um olhar gastronômico sobre o simples, não da tal gourmetização (que é a mera complicação do simples).
O que quero dizer é que uma grande experiência gustativa pode estar nas mais variadas situações. Nas casas de luxo,
com seu serviço perfeito, vinhos exclusivos e ambientação impactante; ou num quitute preparado com esmero, cheio de
sabor. Basta ter consciência de que são experiências de qualidades diferentes, para momentos diversos. É preciso, sempre que possível, estar aberto para reconhecer que um brilhante escritor pode surgir na pele de um músico cabeludo, de violão a tiracolo.
LEIA OUTROS TEXTOS DE LUIZ AMÉRICO CAMARGO
// Sem “desperdício charmoso"
// Brancos e "tintos brancos"