*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Se juntarmos vários aficionados por comida numa roda de conversa, veremos muitas divergências de opinião. E alguns consensos – entre esses, possivelmente, a defesa de pontos como a sustentabilidade e a sazonalidade. A maioria acha legal. Porém, na prática, nem todos lidam bem com o último ponto, em particular. É comum confundir respeito à estação com mesmice.
Vou dar exemplos. Mesmice é ver cada vez mais cozinheiros oferecendo barriga de porco, espaguete à carbonara e tiramisù. É ver o salmão como o único peixe destacado em numerosos menus (sendo que a produção do bicho, por seu caráter industrial, é cada vez mais questionada). É observar a multiplicação de hamburguerias, como se fosse o único modelo de negócio possível. É constatar que alguns pratos são replicados por puro comodismo.
A devoção à sazonalidade, por sua vez, tem a ver com ciclo da natureza. É valorizar um ingrediente que está no seu ápice anual, mais saboroso e mais abundante.
Se você for ao norte da Itália na estação da trufa, vai deparar com muitas casas explorando a matéria-prima. Se for à França, na temporada de caça, notará a predominância de pombos silvestres, galinholas e afins. Aqui, os comensais estranham. Querem sempre robalo, embora seja mês de, digamos, namorado.
Num recente jantar com amigos, um restaurante de que gosto muito estava usando e abusando (no bom sentido) do caqui. Na entrada, como guarnição de assados, na sobremesa. Os comentários, curiosamente, foram sobre a falta de imaginação do chef. Expliquei que o caqui estava no seu auge, o outono. Dei ainda o exemplo do pinhão: nas cidades mais frias, ele vira a estrela das cozinhas entre abril e julho, como deve ser.
Acho até que convenci a turma. Contudo, tenho a percepção de que a tal sazonalidade ainda está por ser entendida por aqui. Principalmente por aqueles que, dentro desse nosso país continental, se acostumaram a comer de tudo o ano todo, em cardápios com dezenas e dezenas de itens. Mas a gente chega lá.