*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Serviços, bens, informações, as coisas parecem girar atualmente em torno daquela palavra mágica: compartilhamento. Tem sido assim, deve continuar assim, o que é bom. O grande lance não é mais a propriedade, mas apenas a posse transitória. A coletivização, por sua vez, é outra faceta dessa nova realidade. Contudo, lanço uma pergunta impertinente: posso querer não partilhar, de vez em quando?
Antes que me acusem de individualista, digo que compartilho muito: conteúdo, conhecimentos. Com o pão, uma das minhas especialidades, repasso tudo o que aprendo. Aprecio a ideia e a prática da partilha, só não gosto quando essa tendência ameaça se transformar em ditadura.
Levando isso ao universo dos restaurantes: não bastasse o espírito do tempo descrito acima, estamos em crise. E, cada vez mais, os empreendedores investem em ambientes mais simples e baratos, com balcões e mesas coletivas. Acho coerente com o momento. Porém, como ficam as ocasiões em que buscamos resguardo? Ainda existem lugares mais privativos, mas imagino o futuro: com dinheiro escasso, poucos vão querer apostar no fine dining, com sua operação complexa e custosa.
Então, dentro de alguns anos, se quisermos um tête-à-tête em torno de boa comida, ficaremos em casa?
Eu sei, estou traçando um quadro exagerado. É que fico ressabiado com tudo o que aponta para o pensamento único. Balcões e espaços comunitários são ótimos em certas ocasiões. Mas experiências exclusivas também o são. Pois eu gostaria de preservar a liberdade de me acomodar num salão com boa distância entre mesas, para falar sem embaraços de trabalho, da vida. E de poder, numa noite especial, jantar reservadamente com minha mulher. Será mais caro, óbvio. Mas é preciso que as alternativas coexistam.
Num mundo onde tudo é público e publicado, tudo é revelado, deixo aqui minha provocação. Futuramente, quem investir em privacidade (que seja a singela intimidade de um jantar a dois), pode se diferenciar.