Fabricado por pequenos produtores, o queijo artesanal brasileiro feito com leite cru é caracterizado por sua história e tradição. São as bactérias presentes no ingrediente que vão garantir o sabor do queijo durante o processo de maturação. Essa prática se diferencia da produção industrial, que utiliza leite pasteurizado, procedimento que elimina as bactérias e tira o sabor que o queijo pode adquirir naturalmente na cura.
A receita do queijo artesanal, que já se tornou um símbolo cultural do país, está presente desde a chegada dos imigrantes portugueses e passa de geração em geração há aproximadamente 250 anos. O queijo feito com leite cru, a exemplo do que acontece com os vinhos, adquire características de acordo com a região onde é produzido. Tanto a qualidade da água, quanto a composição dos minerais do solo, a altitude, o tipo de pastagem e o tipo de gado do qual o leite é retirado influenciam no sabor e na acidez do queijo, garantindo a identidade do produto.
Assim, os queijos de cada região do Brasil se diferenciam entre si. Minas Gerais conta com a maior concentração de produtores, são cerca de 30 mil famílias, que fabricam queijos como o Canastra, o Serro, o Salitre e o Araxá. No Rio Grande do Sul, o destaque fica para o queijo Serrano.
- O que sobrou do queijo de leite cru comercializado hoje em dia no Rio Grande do sul é o queijo Serrano. Todos os outros que são vendidos já passam por um processo de pasteurização - explica a pesquisadora em gastronomia Jussara Dutra. - Hoje, são cerca de 14 municípios no Estado que produzem esse tipo de queijo, na região dos Campos de Cima da Serra.
A produção do queijo artesanal é fonte de renda de pequenos produtores tanto no Estado, quanto no resto do Brasil, assumindo uma importância econômica, social e cultural. Entretanto, uma lei de 1952 impede que os queijos de leite cru sejam comercializados fora de seu município de origem, a não ser que tenham mais de 60 dias de maturação. Há algum tempo, pessoas ligadas à gastronomia e produtores têm tentado reverter a legislação sanitária, que se baseia em padrões da produção industrial. A intenção é que essas famílias produtoras de queijo consigam adequar-se aos requisitos exigidos e, assim, recebam a certificação exigida para produzir e comercializar seus queijos em outras regiões.
Produzido com leite cru, em uma fabricação que leva somente a adição de coalho e sal, o queijo Serrano é feito a partir de rebanhos que se alimentam de pasto nativo. São aproximadamente 1.500 famílias produtoras de queijo Serrano que se localizam principalmente nas cidades de São José dos Ausentes, Bom Jesus, Jaquirana, Cambará do Sul e São Francisco de Paula, segundo Orlando Junior, extensionista rural da Empreedimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS).
- O que buscamos já alguns anos é a equivalência entre os serviços de inspeção municipal e estadual. Depois de conseguir o selo do Serviço de Inspeção Municipal, que garante a venda do queijo de leite cru a nível de município, as queijarias que estiverem adequadas às exigências poderão pedir o selo de inspeção estadual, e assim será possível vender para todo o Estado - explica Junior. - Cada município deve fazer essa solicitação. Há dois anos que São José dos Ausentes e Bom Jesus entraram com esse pedido e devem obter a liberação em breve.
O que muda para os produtores é a adequação às regras sanitárias. A única peça de madeira permitida são as tábuas usadas para a cura do queijo, por exemplo, o resto deve ser feito com material que seja de fácil higienização.
- Nós, da Emater, temos trabalhado bastante incentivando os produtores para que façam cursos de boas práticas de produção e agropecuária. Além das exigências com o material utilizado, é preciso ter cuidado com a higinização na hora da ordenha, com a potabilidade da água e com a sanidade do rebanho - relata Junior.
Comemorado por chefs e pessoas ligadas à gastronomia do Estado, um projeto de lei criado pelo deputado Vinícius Ribeiro está para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa para se tornar uma lei estadual que regula a produção e a comercialização do queijo Serrano, protegendo o modo de fazer artesanal, que vem de longa data e é o que garante toda a tradição.
- Os produtores, hoje, não conseguem viver da pouquíssima venda, porque não conseguem comercializar longe do município. Em uma região onde quase todo mundo produz o mesmo queijo, vão vender para quem? Só para os turistas que passam por lá. A possibilidade de poder vender o queijo Serrano para todo o Estado é um ganho gigante - comemora o chef Carlos Kristensen, que trabalha em prol dos pequenos produtores de queijo artesanal de leite cru incentivando-os e levando o produto para o menu de seu restaurante, o Hashi Art Cuisine. - Meu papel é informativo, é divulgar a questão da legislação, trazer a tona a discussão. Minha função como cozinheiro é trabalhar com um produto que eu acredito, gerando conhecimento, curiosidade e fomentando o trabalho do produtor - explica Kristensen, que em todos os menus de seu restaurante passou a servir uma tábua com três queijos - Colonial, Serrano e Canastra - antes da sobremesa.
Depois de obter o selo para vender pelo menos em todo o Rio Grande do Sul, os defensores do queijo já pensam nos próximos passos:
- O queijo Serrano precisa passar por dois processos. Um deles é ser transformado em Patrimônio Cultural e Imaterial Brasileiro, assim como o queijo da Canastra. E, depois, a exemplo do que aconteceu com os doces de Pelotas e os vinhos do Vale dos Vinhedos, é preciso buscar um certificado de Indicação Geográfica, que protege o modo de fazer artesanal e garante que o queijo Serrano só pode ser produzido naquela região - defende Jussara Dutra.
* Conteúdo produzido por Juliana Palma