Quando anunciada pela HBO, a série House of the Dragon, prequel de Game of Thrones (GOT) foi recebida pelos fãs com reações tão animadas quanto desconfiadas. Afinal, o seriado original foi um dos maiores da história da televisão, mas amargurou um final confuso, incoerente e sem o brilho que conquistou o público nas primeiras temporadas. A premissa do spin-off, por outro lado, era promissora: o passado da família Targaryen.
Vindo de uma terra mágica que não existe mais e dotado da rara habilidade de domar dragões, o poderoso e autodestrutivo clã de Daenerys sempre atiçou a curiosidade do público. Seus descendentes vivem em uma dubiedade entre loucura e grandeza, como é mencionado mais de uma vez em GoT:
— Toda vez que nasce um Targaryen, os deuses jogam uma moeda para cima.
Chegando ao fim da temporada, os fãs já podem respirar aliviados: House of the Dragon foi um sucesso. No agregador Rotten Tomatoes, os primeiros nove episódios têm em média 86% de aprovação dos críticos, um número bem acima dos 55% do último ano da série original.
A audiência também foi alta. Analisando apenas os índices de streaming (e House of the Dragon é também exibida no canal de TV da HBO), a série foi a terceira mais assistida nos Estados Unidos, à frente de Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder e atrás apenas dos fenômenos Dahmer: Um Canibal Americano e Cobra Kai, segundo o último relatório do compilador Nielsen.
A fórmula do sucesso não é tão simples e inclui ingredientes diversos que, em suma, corrigiram os erros de GoT ao mesmo tempo em que mantiveram as principais virtudes da antecessora. A seguir, GZH reúne os motivos para House of the Dragon ter reconquistado os fãs do universo de George R.R. Martin.
Final definido
Um detalhe fundamental diferencia House of the Dragon de sua série original: George R.R. Martin já escreveu o final de Fogo e Sangue, livro que baseia a série derivada. A saga As Crônicas de Gelo e Fogo, que deu origem a Game of Thrones, por outro lado, ainda não teve seus últimos dois volumes lançados.
Segundo alguns críticos, grande parte dos problemas das últimas três temporadas de GoT ocorreram justamente porque os showrunners David Benioff e D.B. Weiss não tiveram os últimos livros de Martin para se basearem, de modo que os personagens foram tomando rumos diferentes dos que serão tomados na literatura. A questão é que, mesmo assim, os produtores se reuniram com o escritor, ouviram o que ele previa para o final dos livros e tentaram "encaixar" esses acontecimentos na série. Por isso, alguns fatos da última temporada não ficaram coerentes com o que havia sido apresentado dos personagens até então.
Como já adiantou o autor em uma postagem em seu blog, o destino de seus personagens depende muito de atitudes e escolhas que eles vão tomando ao longo da história — e isso é definido por ele de forma cuidadosa ao longo de seu processo de escrita: "Minhas histórias crescem, evoluem e mudam à medida que as escrevo. Eu geralmente sei para onde estou indo, claro… os destinos finais, os grandes cenários, eles estão na minha cabeça há anos… há décadas, no caso de As Crônicas de Gelo e Fogo. Há muitos diabos nos detalhes, porém, e às vezes o chão muda sob meus pés enquanto as palavras fluem".
Ainda é cedo para dizer se o mesmo vai ocorrer entre House of the Dragon e Fogo e Sangue. Mas é fato que, agora, o showrunner Ryan Condal não trabalha apenas sobre um final previsto para os personagens, e sim sobre todos os acontecimentos que os fazem chegar até o desfecho.
Um outro tipo de fantasia
Assim como nas primeiras temporadas de Game of Thrones, um dos pontos fortes de House of the Dragon é que, mesmo sendo uma produção de fantasia, o foco da série está nos aspectos humanos que envolvem o poder. Apesar de conter dragões, magia e cenários fantasiosos, o melhor da trama está nas intrigas políticas, nas reviravoltas e nos dramas familiares.
Esse é um aspecto da escrita de George Martin de modo geral. "William Faulkner, o grande escritor americano ganhador do Nobel, uma vez disse: 'A única coisa sobre a qual quero escrever é o coração humano e seus conflitos'. Sempre considerei isso um mantra", explicou o autor, em entrevista ao jornal chileno El Mercurio.
Ainda que a primeira temporada de House of the Dragon tenha tido vários saltos temporais, as motivações dos personagens foram bem trabalhadas. A vilã Alicent, por exemplo, não age puramente por maldade, mas por uma resignação causada pelas manipulações de pai. Já Viserys, que é um personagem central para a explosão da guerra pela sucessão entre seus filhos, não é retratado apenas como um rei fraco, mas como "um estranho no ninho" que agia mais pelo amor à filha do que pela racionalidade que o cargo exigia.
Protagonismo feminino de verdade
Outro destaque de House of the Dragon é a representação feminina. Na época em que foi ao ar, Game of Thrones foi muito criticada pelo excesso de cenas de nudez e violência com personagens mulheres em relação a homens.
Na primeira temporada do prequel, esse problema não ocorreu. A condição feminina das protagonistas, Rhaenyra e Alicent, está intimamente ligada às suas tramas. A princesa, por exemplo, desde o início compreende que, por não ter nascido homem, não será fácil para ela assumir o trono. Sua mãe, Aemma, morreu tentando dar mais herdeiros ao rei, deixando claro para a filha que "o parto é o nosso campo de batalha".
Outro ponto positivo são as cenas de sexo, que agora partem do ponto de vista da mulher e têm uma função na trama. A visita de Rhaenyra a um bordel, por exemplo, serve para mostrar uma virada da personagem em relação à forma como ela vai lidar futuramente com o casamento. Da mesma forma, a frustração de Alicent no casamento é evidenciada em uma cena em que ela é chamada para o quarto de Viserys com o intuito de dar a ele mais um filho.
Fora o que vemos nas telas, a presença feminina também se dá nos bastidores. Há agora coordenadores de intimidade nas cenas de sexo, o que não ocorria anteriormente. No time de diretores da primeira temporada, há duas mulheres — Clare Kilner e Geeta V. Patel — e, no de roteiristas, três — Sara Hess, Charmaine DeGraté e Eileen Shim.
Há, ainda, um episódio da primeira temporada de House of the Dragon por ir ao ar mas, esses aspectos têm feito da série um sucesso. Resta saber se, nas próximas temporadas (e a segunda já teve sinal verde da HBO), a produção seguirá agradando o público ou se cairá na mesma armadilha de sua antecessora.