George R.R. Martin publicou o primeiro volume de As Crônicas de Gelo e Fogo em agosto de 1996, há 24 anos. De lá para cá, o mundo viu a ascensão e queda de sua adaptação televisiva, Game of Thrones. Inúmeras produções de fantasia tentaram compartilhar seu sucesso ou acalentar seus órfãos. E ser fã de dragões, magia e reinos antigos nunca foi considerado tão cool. O que ninguém viu foram os dois últimos livros da saga.
Martin, bastante prolífero no final dos anos 1990, parece incapaz de finalizar sua própria série. Em comparação, do lançamento de Guerra dos Tronos até o segundo volume, A Fúria dos Reis, foram menos de três anos; um ano e meio até A Tormenta das Espadas; cinco anos até O Festim dos Corvos; e seis anos até A Dança dos Dragões. Em julho, no entanto, os leitores completaram nove anos desde a última crônica de gelo e fogo.
Não falta desassossego aos fãs, que acompanham os invernos chegarem e passarem sem que The Winds of Winter dê sinais de estar mais perto das prateleiras. Enquanto Martin segue prometendo que o livro existirá, num futuro próximo, há até quem peça que ele seja preso por não cumprir muito bem suas promessas. E, aos 71 anos, seus leitores parecem muito mais preocupados com sua saúde e longevidade do que parece polido.
Porém, o que exatamente está impedindo os dois capítulos finais de Westeros? Hipóteses não faltam. O próprio autor admite que parte da demora é justamente devido ao sucesso sem precedentes de Game of Thrones, que abriu inúmeras oportunidades para ele, seja produzindo outras séries e publicando várias histórias independentes da saga original, por exemplo:
— É uma ironia estranha que, com o próprio sucesso de Game of Thrones e As Crônicas de Gelo e Fogo, a popularidade desses livros tornou mais difícil para mim escrever porque o número de interrupções e distrações e outras coisas aumentaram, dobraram e triplicaram e então se multiplicaram 10 e cem vezes — ponderou Martin em um Nerdette Podcast de 2019.
Não que o escritor tenha ficado inativo por quase uma década. Neste tempo, ele vem lançando um série de outros livros, ambientados em Westeros ou não. Por um acaso, os 10 anos também englobam o período que Game of Thrones esteve no ar: o show foi exibido pela HBO de 2011 a 2019.
Para completar a tragédia de leitores ávidos, Martin afirma ser um escritor lento, incapaz de simplesmente escrever em quartos de hotéis ou sem a concentração necessária. Ávido por certo nível de perfeição, ele não parece admitir um final inconsistente — caminho mais fácil escolhido pelos criadores da série.
— Não há muito que eu possa contar. É lento. Eu sou um escritor lento e meticuloso, sempre fui. Às vezes eu não sei como diabos eu vou fazer alguma coisa. Me sento e, em um bom dia, surgem histórias. E, em um dia ruim, eu luto e leio meu e-mail — descreveu ele em entrevista ao The Kansas City Star.
Pressão dos fãs
“Autores de fantasia são demônios colocados nesta terra para esmagar sua alma e sugar sua vida enquanto você espera anos intermináveis pelo próximo capítulo”, escreveu uma leitora no Goodreads. Desta vez, no entanto, não era uma reclamação contra o autor de Game of Thrones. Ou, pelo menos, não apenas contra ele.
Isto porque George pode ser até o nome mais famoso às voltas para terminar um livro, mas não é o único. Tampouco apenas os fãs de As Crônicas de Gelo e Fogo estão há tempos sem respostas. Outras crônicas, como a do Matador do Rei, seguem em aberto. O autor da série, Patrick Rothfuss, lançou O Nome do Vento em 2007, seguido por O Temor do Sábio em 2011. O terceiro, e último volume, segue em desenvolvimento desde então.
Aqui, contudo, a impaciência de alguns leitores transformou fãs em haters. Na onda de ódio contra o escritor, teve quem defendesse que o último volume da trilogia fosse pirateado, para que o autor não recebesse mais dinheiro depois da longa espera. O escritor ainda foi atacado por manter um blog, participar de podcasts, eventos como a Comic Con e, no geral, ter uma vida além do desenvolvimento do livro.
No site Book Riot, D.R. Baker gentilmente relembrou leitores que escritores não os devem livros. Enquanto isso Alison Flood, no jornal britânico The Guardian, chamou os fãs famintos por sequências de uma maldição.
Digitando mais rápido
Os fãs irascíveis à parte, não há razão para livros sem leitores. O escritor brasileiro Eduardo Spohr, autor de A Batalha do Apocalipse, afirma que não vê por aqui uma pressão por parte do público, e sim uma cobrança respeitosa.
— Tenho a sensação de que o leitor prefere esperar um pouco mais para ler uma obra bem trabalhada do que ler rapidamente um livro feito na correria — comenta ele. — Sou da opinião que os leitores NUNCA atrapalham. O simples fato de se interessarem pela sua obra é algo muito gratificante. Quanto à pressão, é como eu disse acima: há certa cobrança, mas uma cobrança respeitosa que só me estimula!
Não que os fãs de Spohr tenham tido alguma espera com a qual se preocupar. Depois de o sucesso de A Batalha do Apocalipse, o autor se dedicou à trilogia Filhos do Éden, cujo os três livros foram lançados entre 2011 e 2015, em um intervalo de dois anos. A receita, no caso dele, é uma boa dose de disciplina:
— Eu costumo escrever oito horas por dia – às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos. No geral cumpro os meus prazos, pois sou bastante metódico.
Agora, ele está se preparando para deixar a fantasia e entrar no mundo dos romances históricos com Santo Guerreiro: Roma Invicta, previsto para novembro deste ano, sobre a vida de São Jorge. Mais uma vez, é o início de uma série de três livros. Spohr já adiantou que a obra será sucedida pelos volumes Ventos do Norte e O Império do Leste.
Mesmo com o rascunho do primeiro volume pronto, no entanto, escrever acaba sendo apenas uma fração do trabalho de um autor. Na jornada de um livro, há desde a concepção da ideia até ajustes editoriais. Spohr compartilha o passo a passo do seu processo criativo:
- Suponho que varie de escritor para escritor. No meu caso, começo anotando as ideias de forma desordenada.
- Depois, organizo tudo e construo um roteiro com a descrição do que vai acontecer em cada capítulo.
- Então, começo a escrever. Encerrando o primeiro rascunho, inicio as revisões.
- Geralmente faço pelo menos 10 revisões, para lapidar especialmente a prosa – porque a trama muda muito pouco, no meu caso.
- Entrego então para alguns leitores beta.
- Finalmente vem o copydesk da editora, o processo de escolha de capa e o lançamento.
- E (uma das partes que eu mais curto), o encontro com os leitores, que é muito gratificante, sempre.