Nunca antes reprisada, A Favorita (2008) entrou no catálogo do Globoplay e agora pode ser vista a qualquer hora. A trama foi a primeira assinada por João Emanuel Carneiro no horário nobre da Globo. O autor foi ousado ao misturar os conceitos de bom e mau e não deixar o público saber logo no início quem é a vilã e a mocinha.
As protagonistas Claudia Raia (Donatela), Patricia Pillar (Flora) e Mariana Ximenes (Lara) relembram cenas e curiosidades da trama.
Não ensaiado
Um dos momentos mais marcantes de A Favorita é quando Donatela descobre a traição do seu então fiel escudeiro Silveirinha, vivido por Ary Fontoura. Na cena, que tem quase oito minutos de duração, Silveirinha cospe no rosto da patroa depois de dizer que sente nojo, ódio e desprezo por ela.
O ato, como lembra Claudia Raia, não estava previsto por João Emanuel Carneiro nem foi indicado pela direção. Aconteceu espontaneamente durante o ensaio e até por causa disso foi levado ao ar.
— A gente começou a fazer (o ensaio), aquele ódio que veio vindo, a cena foi pegando fogo (...) E aí eu cheguei bem perto dele, tipo cara a cara, e vi que ele ficou transtornado. Do nada, ele tuff (cuspiu) na minha cara, ficou aquela pausa que você não ensaia, que é absolutamente genuína — conta ela.
Claudia afirma que, ao final, todos que estavam acompanhando aplaudiram a cena e que ela só foi possível pela entrega e intimidade que existia entre o elenco da trama.
— Não posso ter esse tipo de limite como atriz (de não querer ser alvo de um cuspe). Foi isso que nos deu a liberdade para criar, para arriscar — completa.
Quebra de padrões
A Favorita se destacou por ser inovadora e quebrar alguns modelos tradicionais das novelas. A começar por não deixar claro quem era a vilã e quem era a mocinha. No início da trama, com seu jeito rude, extravagante e louca por dinheiro, Donatela parece se encaixar no papel da megera. Já a doce, solitária e introvertida Flora se assemelha muito às vilãs sofredoras, normalmente punidas por um crime que não cometeram - ela passa 18 anos presa, acusada de ter assassinado Marcelo Fontini (Flávio Tolezani), ex-marido de Donatela.
Segundo Claudia Raia, na primeira parte da história, só sabiam da inversão dos papéis o autor, as duas atrizes e o diretor Ricardo Waddington. Mais uma ousadia foi revelar ao público quem era a vilã e a mocinha no meio da novela, e não no fim, o que poderia ser mais seguro.
— Antes de começar a novela, quando o João Emanuel falou que ia revelar quem era a vilã e a quem era mocinha no capítulo 60, eu pensei: "Que homem doido". Mas eu estava tão apaixonada por ele como dramaturgo, que falei vamos embora, vamos inovar, vamos ousar e fui. A gente só se renova quando tem coragem de ousar e foi o que ele fez — diz Claudia.
Para Patricia Pillar, o autor e a direção também foram corajosos em manter a decisão da revelação no meio da trama, mesmo diante da pressão de se fazer uma novela das nove.
— O que ele (João Emanuel Carneiro) fez foram duas novelas. Eu louvo a coragem, a determinação dele — comenta.
Depois de o público saber a verdade sobre a Flora, que ela era uma criminosa mesmo, a audiência de A Favorita, que até então escorregava, conseguiu decolar.
Disco e tensão no carro ao som de Beijinho Doce
Patricia Pillar conta que, durante a trama, ela e Claudia Raia foram convidadas a gravar um disco.
— Mas a gente não tinha tempo para nada, era só fazendo a novela.
Na história, Donatela e Flora eram criadas como irmãs e tinham formado a dupla sertaneja Faísca e Espoleta, conhecidas pelo sucesso Beijinho Doce.
Segundo Pillar, ela "não cantava nada", era Claudia quem segurava a bronca. As duas recordam uma cena, pouco antes da revelação de que Flora era a verdadeira assassina, quando estão no carro. Flora dirige enquanto Donatela aponta uma arma para a cabeça dela e canta: "Que beijinho doce que ele tem.."
Na sequência, Donatela diz: "Viu como eu ainda tenho voz. Eu ainda canto bem." Em seguida, ela ordena que Flora a acompanhe, o que a personagem de Pillar faz, mas contrariada. "Ah...porque você não passou o tempo na penitenciária para estudar canto, você sempre cantou tão mal (...) Parece uma taquara rachada que nunca teve voz", debocha Donatela.
Treinamento para raiva e dormindo na casa de Ana Maria
No meio da briga entre Flora e Donatela, ficava Lara, filha biológica de uma, mas criada pela outra. Intérprete da jovem rebelde e radical, Mariana Ximenes conta que tinha que trabalhar muito a própria raiva para entrar na personagem. Para isso, aceitando uma sugestão da sua personal, ela começou a treinar boxe.
Ximenes conta que antes de entrar em cena "socava muito" uma espuma gigante.
— Já entrava para gravar em outra temperatura.
Para a atriz, fazer a Lara foi um trabalho desafiador e estimulante. Por causa do ritmo intenso de gravações, ela revela que por diversas vezes dormiu na casa de Claudia Raia, que era mais perto que a sua. As duas se tornaram grandes amigas. Ximenes até virou uma das filhas "adotadas" por Claudia, e ao lado das atrizes Paolla Oliveira, Fernanda Souza e Marcella Rica, foi daminha de honra do casamento dela com o ator Jarbas de Homem de Mello.
Uma curiosidade: a própria Claudia Raia chegou a dormir na casa da apresentadora Ana Maria Braga por causa das gravações de A Favorita.
— Teve um dia que sai do estúdio às 23h, e tinha que estar de volta às 6h, não dava nem para ir para casa. Eu dormi então na casa de Ana Maria Braga.
Flora se veste de Donatela
Para tripudiar da rival que acabou presa injustamente, Flora resolve usar todas as roupas de Donatela e visitá-la na prisão. Segundo Patricia Pillar, essa foi uma das cenas mais divertidas que ela fez em A Favorita.
— Eu amei fazer, porque chegava lá com tudo dela: a roupa, o brinco, o colar, o sapato. E chegava lá e dizia que eu tinha roubado tudo dela: o namorado, a família, a casa, o guarda-roupa, a filha, tudo, tinha roubado tudo. Foi muito legal, porque a Donatela era o oposto da Flora — lembra Patricia Pillar. Na história, a vilã usava roupas simples para enganar os outros passando a imagem de que não se importava com dinheiro.
Na cena, Flora diz: "Gostou da minha blusa, do sapato? Caiu tão bem em mim, que você nem percebeu, né Donatela." No fim, a personagem de Claudia Raia não consegue se segurar e parte para cima de Flora. Depois de ser levada pelas funcionárias da penitenciária, a vilã ainda afirma: "Ela tentou me matar."