Uma certa angústia pode tomar conta do espectador ao começar a assistir Little Fires Everywhere, série de oito episódios do streaming norte-americano Hulu que chegou ao Brasil pela Amazon Prime Video. Já na primeira cena, uma mansão aparece pegando fogo. O incidente, proposital, foi provocado por pequenos incêndios por toda parte - a tradução do título do seriado. A partir daí, tem início uma jornada intensa e misteriosa que dá lições básicas sobre racismo, privilégios e maternidade.
Little Fires Everywhere é produzida e protagonizada pelas atrizes Reese Witherspoon (Big Little Lies) e Kerry Washington (a Olivia Pope de Scandal). Elena Richardson, vivida por Reese, é uma jornalista de classe alta, casada, com quatro filhos e residência fixa. Mia Warren, personagem de Kerry, é uma artista misteriosa que vive com a filha adolescente Perl (Lexi Underwood) praticamente dentro de um carro, com um estilo de vida nômade.
A série se passa em Shaker Heights, subúrbio norte-americano onde tudo é pensado de forma planejada: o corte da grama das casas tem um tamanho padrão e os novos moradores recebem um kit de convivência. A localidade de fato existe, e foi onde cresceu Celeste Ng, autora do livro de mesmo nome que deu origem ao seriado.
Trama feminina e atemporal
As vidas das duas mulheres se cruzam quando Elena aluga uma casa para Mia e, a partir daí, tenta a todo custo dar uma espécie de auxílio à nova moradora do lugar – sem que esta tenha solicitado. Oferece residência, emprego e até ajuda Perl na escola quando a garota tem dificuldades em mudar de classe.
Para este parágrafo, sabendo que não é meu lugar de fala, conversei com o jornalista Bruno Teixeira, meu colega de redação de GaúchaZH, que me alertou: esse comportamento mostrado na série é chamado de “white savior”, ou síndrome do salvador branco, que é quando uma pessoa branca ajuda pessoas não-brancas de maneira egoísta.
De fato, Elena constrói uma visão de que Mia, por não ter residência fixa e aparentar ser pobre - em nenhum momento a série deixa claro isso -, precisa de ajuda. De prestativa, a personagem de Reese Witherspoon nos confunde ao soltar olhares de pena para a artista e sua filha. Porém, na realidade, suas atitudes são realizadas para seu próprio bem-estar.
Da metade para o final do seriado, a adoção de um bebê acaba chocando as duas protagonistas. Enquanto Mia tenta ajudar a mãe da criança, uma imigrante chinesa que abandonou a filha por não ter condições de sustentá-la, Elena fica ao lado da mãe adotiva, que é sua vizinha e amiga. Os filhos da jornalista também ganham destaque na trama, por vezes replicando as atitudes preconceituosas da mãe ou questionando-as, como será o caso da rebelde e caçula da família Izzy (Megan Stott).
Os temas de Little Fires Everywhere chegam em momento em que o mundo todo reforça a luta contra a discriminação racial após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. Através das falas e das atitudes dos personagens, o seriado coloca em xeque também nossos próprios preconceitos.
É uma trama que cai como uma luva para quem quer se informar e aprender sobre temas importantes e complexos, além de ser totalmente atemporal. A série não se passa nos dias atuais. Em meio a flashblacks, não há a intenção da produção em mostrar o ano do tempo presente. Talvez você perceba que se passa na década de 1990 quando observar os adolescentes interagindo entre si na sala de casa, sem smartphones nas mãos.