Paulo Carvalho (*)
"Nunca pensei que poderia viver e sustentar minha família com um pedacinho de madeira, com quatro arames esticados." Waldir Azevedo (1923-1980)
Eu me criei sem saber o que era chorinho ou cavaquinho até meu pai adquirir um bar onde músicos amadores faziam rodas de samba. Um dia apareceu um cavaquinista, solando choros clássicos de Waldir Azevedo. Aquilo me tocou de tal forma que decidi aprender a tocar cavaquinho. Autodidata, fui descobrindo as notas e a forma de tirar som do instrumento com a palheta. Olhava a mão dele e à noite tentava fazer igual num instrumento emprestado. Comecei a comprar os discos, um a um, e reproduzia tudo igual. Procurei saber mais a respeito da vida e obra desse artista tão maravilhoso e, como ele já havia falecido na época, procurei conhecer as pessoas que conviveram com ele, que tocaram com ele, e acabei conhecendo Avendano Junior, em Pelotas, que o conheceu e teve um choro seu gravado por Waldir. Conheci e me aproximei também de Zinomar Pereira, em Santos, também amigo e que teve choros gravados por Waldir; Roberto Barbosa-Canhotinho, que gravou o LP Luz e Sombra, o LP que Waldir Não Gravou; alguns integrantes do seu Regional de Brasília e principalmente sua família no Rio de Janeiro, onde fui muito bem acolhido por sua esposa, a Olinda Azevedo, e por sua filha Marly Azevedo. Dessa amizade resultou a herança de grande parte do seu acervo, incluindo cavaquinhos, troféus, fotos, partituras, entre outros objetos pessoais que guardo com zelo num cômodo de minha casa e que chamo carinhosamente de "Cantinho do Waldir".
Nascido no subúrbio do Rio de Janeiro, Waldir Azevedo não acreditava na sua genialidade como músico e compositor. Sempre dizia que não criava nada, mas sim recebia tudo pronto de alguma divindade superior. "As pessoas sempre me perguntam como que eu componho essas músicas, e eu sempre repito: 'Eu não componho nada! Quando acordo pela manhã, a música já está prontinha na minha mente e é só passar pro cavaquinho'". Desde os sete anos de idade, passou por diversos instrumentos como autodidata, desde a flauta, violão, violão tenor e bandolim, mas foi no cavaquinho que encontrou o instrumento que o tornaria um artista célebre, de carreira internacional.
Antes de Waldir Azevedo, o cavaquinho era um instrumento secundário, fadado a mero acompanhante de conjunto, mas seu estilo e técnica em tirar o som do instrumento o elevou ao status de instrumento de solo. Diversos foram os músicos e aprendizes de cavaquinho que buscaram em Waldir Azevedo o estilo único de solar o pequeno instrumento, tido por muitos como um instrumento limitado. Seus trêmulos, pizzicatos, sustain e a técnica própria em não apoiar a mão no tampo do cavaquinho o fizeram uma referência e inspiração para vários solistas do gênero, inclusive para artistas já renomados, como Canhoto e Garoto, solistas de cavaquinho de sua época.
Compositor de mais de 150 músicas, foi o artista que mais vendeu discos na era do 78rpm. Seus principais sucessos foram editados nos quatro cantos do mundo e regravados por renomados artistas, entre eles o baião Delicado, que teve mais de 40 regravações em todo o mundo, e Brasileirinho, com pelo menos 20.
A carreira de Waldir Azevedo, dividida entre o Rio de Janeiro e Brasília, foi cercada de fortes emoções. Certa vez deparou com Delicado sendo tocada em uma caixinha de música, numa tenda árabe, em uma turnê pelo Oriente Médio. Waldir Azevedo também enfrentou grandes tristezas, como a perda de uma de suas filhas em um acidente automobilístico, o que resultou numa depressão que o tiraria da vida artística por 10 anos. Outro incidente que quase pôs fim à carreira de Waldir Azevedo, recém-retomada em Brasília (DF), foi um acidente com um cortador de grama, que acabou por arrancar a ponta do seu dedo anelar da mão esquerda, o que tudo fazia crer ser irreversível, mas uma cirurgia de reimplante bem-sucedida permitiu que ele voltasse a tocar seu cavaquinho. Recuperado desse incidente, Waldir Azevedo compôs um choro chamado Minhas Mãos, meu Cavaquinho, que termina com um trecho de Ave Maria, em agradecimento a Deus pela superação.
Em 1980, Waldir Azevedo preparava seu próximo disco, chamado Luz e Sombra, em que ele pretendia regravar o choro de mesmo título, além de composições inéditas, que nunca chegaram a ser gravadas pelo compositor. Esse projeto foi interrompido pela sua morte prematura, aos 57 anos. O disco acabou por ser lançado em 1983 em homenagem ao ele, sendo escolhido como solista o músico Roberto Barbosa-Canhotinho, que foi considerado pelo próprio Waldir como seu legítimo sucessor, devido à semelhança com seu estilo e técnica. O álbum contém as falas de Waldir Azevedo entre as faixas como forma de preservar gravada a voz e as instruções aos músicos, idealizadas por esse grande artista para esse trabalho fonográfico.
Podemos afirmar que não há um solista do gênero que não possua em seu repertório algumas de suas composições e que certamente esse "Brasileirinho", com seu estilo "Delicado" de tocar seu cavaquinho, ainda continua a inspirar, de algum dos "Pedacinhos do Céu", as atuais e futuras gerações de instrumentistas do gênero.
(*) Músico
O show
O show de Paulo Carvalho e Luiz Machado em homenagem ao centenário de Waldir Azevedo será no dia 31 de agosto, às 20h, no Teatro Sinduscon-RS (Rua Augusto Meyer, 146, em Porto Alegre). Integra o projeto O Samba É meu Dom e tem entrada franca.