Enquanto está em estúdio finalizando seu novo disco, Jards Macalé atende a reportagem de Zero Hora por telefone. Prestes a completar 80 anos, no dia 3 de março, ele é lembrado sobre a canção Tempo e Contratempo, do disco Besta Fera (2019), em que o músico discorre sobre a contradição da passagem: “O tempo é obra de gente sem raça/O tempo não existe, é essa que é a graça”.
Ao ser questionado como tem sido o avanço do tempo, Jards fica em silêncio por alguns segundos. Descontraído, o músico cita uma frase de seu amigo João Donato, com quem gravou o disco Síntese do Lance (2021):
— Enquanto eu entrar e sair do cemitério sob as minhas próprias pernas, estarei ótimo (risos).
Quem estiver no Teatro da Amrigs, nesta sexta-feira (10), a partir das 21h, irá presenciar um show intimista de um cantor, compositor e violonista cujo tempo tem sido proveitoso. Jards é um dos artistas mais disruptivos e provocadores da música brasileira. Sempre prezou por sua liberdade criativa. Em atividade desde os anos 1960 e chegando a casa dos 80, ele segue atual e atuante.
Jards volta a Porto Alegre com o show Sentido, que integra a programação do Porto Verão Alegre 2023. Acompanhado no palco apenas da percussionista Victória dos Santos, o músico promete apresentar seus clássicos e canções de autores que ele gosta de cantar. Adianta que entrará muita coisa do DVD Jards Macalé ao Vivo (2015), gravado justamente na capital gaúcha, no Theatro São Pedro. Ainda, estão previstas músicas de seus dois últimos lançamentos — Besta Fera e Síntese do Lance.
Para o dia de seu aniversário, 3 de março, Jards planeja lançar o primeiro single de seu novo disco. O álbum ainda não tem data de lançamento confirmada, mas, segundo o cantor, deverá se chamar Coração Bifurcado. Entre os parceiros nesse trabalho, ele cita José Carlos Capinan, Ronaldo Bastos, Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Rodrigo Campos e Alice Coutinho. Serão 12 faixas com uma temática bem definida: o amor — o que para Jards é um gesto político.
Ainda compositor também frisa que o novo disco será dedicado a sua amiga, Gal Costa, que partiu em novembro.
— Ela ia cantar uma das faixas, mas infelizmente não foi possível — lamenta. — Era uma música minha feita com o Romulo Fróes, chamada Simples Assim. Tinha mandado a canção para a Gal, que tinha gostado. A gente conversava muito pelo “zap”. De repente, aconteceu o que aconteceu.
Entre as participações do disco está Maria Bethânia e a versão original de Nara Leão para Amo Tanto, lançada em 1966. Apontada como a primeira composição de Macalé e datada de quando ele tinha 15 anos, Amo Tanto é a única que não será inédita no álbum.
Tempo a favor
Sempre transitando por diferentes sonoridades — samba, choro, jazz, rock, bossa nova etc. — Jards afirma que o novo álbum terá de tudo. O músico vanguardista pontua que seu método de trabalho costuma ser o “mistura e manda”.
— Só entendo arte e criação como um risco — explica. — Temos que viver arriscando, pois é isso que mantém a chama acesa em termos de criação. Você vai inventando, puxando uma porção de gente inventiva, desde o engenheiro de som até os músicos.
Além do novo disco, em 2023, ele pretende sair em turnê com uma banda formada só por mulheres. Também está nos planos um curta-documentário chamado Macaleia, dirigido pela esposa do músico, Rejane Zilles, que focará na amizade e criação de Jards com o artista plástico Hélio Oiticica. Outro projeto que está sendo desenvolvido pela cineasta, e terá envolvimento do compositor, é o documentário London 70, que irá abordar os artistas brasileiros no exílio na década de 1970 — nesse período, Jards foi o diretor musical do clássico Transa, de Caetano Veloso.
Mas pode não ser só isso: nunca se sabe o que esperar de Jards. Apontado como um artista “maldito”, sátiro e experimental, o artista sempre ficou à margem da indústria musical. Para ele, tudo bem:
— Sou um anarquista. Eu não viso capital ou dinheiro, mas sim a criação de alguma coisa que desmonte esse esquema de tudo que é certinho.
Nesse contexto, o músico observa a passagem do tempo enriquecer sua arte. Segundo Jards, ele foi depurando amigos (“os melhores ficam”, como observa) e, entre outras coisas, a poesia que quer exprimir. Para ele, o violão foi encorpando e criando mais forma, o que aperfeiçoou sua linguagem.
Ao ser questionado sobre o que espera dos próximos anos, Jards arremata espirituosamente:
— Que sejam melhores que os últimos 80 (risos).
Jards Macalé — Sentido
- Nesta sexta-feira (10), a partir das 21h, no Teatro da Amrigs (Av. Ipiranga, 5.311).
- Ingressos a R$ 110 (inteiro) e R$ 70 (solidário, mediante doação de um quilo de alimento não perecível no local), via gzh.rs/porto_verao.