Já se passaram quase 50 anos desde que, em 1965, Jards Macalé integrou o histórico show Opinião, no Theatro São Pedro, naquela que foi a primeira apresentação de sua carreira fora do Rio de Janeiro.
Essa é uma das razões para a escolha do mesmo palco para gravar seu primeiro DVD ao vivo, nesta quarta-feira, às 21h. As outras é o próprio Jards quem lista, em entrevista por telefone desde São Paulo, onde se apresentou no fim de semana:
- Eu precisava sair do eixo, era algo que queria muito. Além disso, a concepção do projeto foi da Rejane Zilles (atriz e diretora de Walachai), que vive no Rio mas nasceu aí (em Morro Reuter).
Nos últimos seis anos, o músico ganhou dois documentários de longa-metragem, Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal (2008), de João Pimentel e Marco Abujamra, e Jards (2012), de Erik Rocha, que a Biscoito Fino vai rebatizar (se chamará Macalé) para lançar em home vídeo (ainda em 2014). Em 2013, após lançar Jards, disco recheado de participações especiais, comemorou 70 anos com a reedição de Só Morto (1970), seu LP de estreia, e shows no Circo Voador (RJ) e no Ibirapuera (SP). Agora, depois de gravar este DVD em Porto Alegre, será homenageado no projeto Ocupação, que toma o Itaú Cultural da Avenida Paulista com atividades relacionadas a um grande artista brasileiro.
Tudo isso evidencia uma valorização que ele nem sempre teve.
- Acho que há, sim, mais gente curtindo meu trabalho - comenta. - O que é possível graças à maior circulação de informações, mas, principalmente, uma consequência de tudo o que já fiz e que foi, aos poucos, sendo descoberto pelas pessoas.
A fala é mansa, e o timbre de voz, grave. Jards discorre pacientemente sobre os parceiros que convidou para dividir o palco hoje. Com Luiz Melodia, "amigo desde sempre", vai cantar Negra Melodia. Com Thaís Gulin, "que cantou tantas músicas minhas", interpretará Hotel das Estrelas. Com Zeca Baleiro, repetirá o que Gal Costa fez em seu Acústico MTV: misturar Vapor Barato com À Flor da Pele, canção-homenagem a este clássico composta por Macalé e Waly Salomão (completa o time de parceiros o instrumentista Renato Piau).
O que mais vamos ouvir hoje à noite, "professor"? - faço a pergunta repetindo o termo de tratamento que o próprio Jards vinha usando com o entrevistador durante a conversa.
- Farinha do Desprezo, Movimento dos Barcos (parceria sua com José Carlos Capinam), Anjo Exterminado (outra parceria com Waly Salomão), Lets Play That (com Torquato Neto)... Eu quis fazer uma seleção de músicas mais significativas para mim. Não pensei muito no público, naquela coisa das clássicas, porque hit, mesmo, acho que só tenho Vapor Barato.
Tudo com arranjos renovados, sublinhe-se. Porque, aos 71 anos, Jards está interessado é na renovação:
- Estou trabalhando com os jovens. Meus parceiros de composição atuais, por exemplo, incluem Omar Salomão e Ava Rocha (filhos, respectivamente, de Waly e do cineasta Glauber Rocha).
Além disso, vai atuar no próximo longa de Cláudio Assis (de Baixio das Bestas e Febre do Rato), uma adaptação do romance memorialístico Big Jato, de Xico Sá, e planeja um disco apenas com músicas instrumentais. Os tempos de Transa (1972), histórico álbum que Caetano Veloso gravou no exílio com a parceria fundamental de Macalé nos arranjos, ficaram para trás, mas, defende, ainda é possível buscar contundência política e estética.
- Há tantos problemas, há violência e há desigualdade, que só aumentam. Os inimigos, agora, são muitos - diz.
Enquanto houver infelicidade, ele chega a afirmar, haverá "farto material para compor". Não é o pessimismo, no entanto, o que resta de uma conversa com Jards Macalé. Longe disso:
- Com tantas possibilidades e toda a atenção que tenho recebido, sinto-me, na verdade, como se estivesse num parque de diversões. Estou feliz. Nunca tive pressa, então não fiquei esperando o sucesso. Para mim, sempre foi uma questão de olhar para trás e ver que tudo valeu a pena para chegar neste ponto.