Vocalista da Ego Kill Talent e líder da Reação em Cadeia, Jonathan Dörr está dividido entre lançamentos, viagens e gravações. Nesta quarta-feira (1º), será lançada a terceira e última parte do álbum acústico da EKT, intitulado Ego Kill Talent Acoustic. Nos próximos meses, ele planeja lançar um disco ao vivo do projeto Voz e Reação, em que interpreta canções acústicas da banda de Novo Hamburgo. Ainda, ele está regravando os dois primeiros álbuns da Reação, Neural (2002) e Resto (2004), buscando trazer a roupagem que sempre imaginou para os dois trabalhos.
Pela EKT, chega às plataformas digitais mais quatro faixas de Acoustic, sendo duas do álbum homônimo da banda (Last Ride e Sublimated), de 2017, e duas de The Dance Between Extremes (Silence e Sin and Saints), disco lançado em março.
Jonathan conta que esse trabalho acústico é uma forma de estender a campanha de divulgação do álbum, trazendo versões desplugadas do The Dance Between Extremes e misturando com faixas do primeiro.
— Vimos que por trás desta roupagem pesada, com guitarra e bateria, há um potencial de canção ali. Há melodia e um approach mais para o pop. É um acústico despretensioso e simplificado. Deixamos o momento “acústico MTV” mais para frente (risos) — destaca Jonathan, que antes assinava Corrêa, mas passou a utilizar Dörr para homenagear seu avô materno também músico.
The Dance Between Extremes foi gravado em 2019 no estúdio 606, em Los Angeles, que pertence ao Foo Fighters. No ano anterior, a EKT abriu os shows da turnê brasileira da banda de Dave Grohl e do Queens Of The Stone Age, estabelecendo vínculos com músicos e agentes. Aliás, o estúdio conta com a mesa do Sound City Studios, responsável por gravar discos icônicos — como Nevermind, do Nirvana, e o trabalho de estreia do Rage Against the Machine.
— Quando a gente entrou no estúdio, foi como entrar num templo, um museu do rock. Pelo fato de ser do Dave Grohl, já deixa o lugar com uma carga energética muito grande. Dentro tem tudo dos caras, parede cheia de memorabilia, discos de platina e de ouro — relata o vocalista.
Além de Jonathan, a EKT é formada Theo Van Der Loo (guitarra e baixo), Jean Dolabella (bateria e guitarra), Raphael Miranda (bateria, baixo e guitarra) e Niper Boaventura (guitarra e baixo), que se revezam nos instrumentos conforme a faixa. The Dance Between Extremes é um disco que traz a sonoridade do grunge e do stoner, porém com apelo pop e radiofônico — vide Our Song e The Reason. Há momentos que remete a bandas como Foo Fighters, Soundgarden e Pearl Jam, que são referências do grupo.
The Dance Between Extremes era para ter sido lançado em maio de 2020, acompanhando uma agenda de 50 shows marcados ao redor do mundo — EKT ia abrir para o Metallica em Porto Alegre, faria turnê com System of a Down e também com Foo Fighters, entre outras apresentações em festivais europeus. Com a pandemia, os planos foram alterados. O disco saiu fatiado em três partes para esticar a promoção do trabalho, estratégia que foi repetida com o álbum acústico.
A EKT também planejava estabelecer residência em Los Angeles. Antes da pandemia, os integrantes estavam providenciando os vistos para partirem. Porém, a mudança foi postergada.
— É inevitável essa mudança. O plano foi adiado, mas continua na nossa pauta. Estamos esperando o momento certo de retomá-lo. Não tem como, a gente precisa estar perto desse mercado, nossos escritórios estão lá — destaca Jonathan.
A partir de outubro, EKT retorna aos palcos em uma turnê que terá início nos Estados Unidos, passando por festivais como Aftershock, na Califórnia (7 de outubro), e Welcome to Rockville, na Flórida (12 de novembro). Para o ano que vem, a banda percorrerá o circuito europeu em eventos como Rock am Ring (4 de junho), na Alemanha, e Hellfest (17 de junho), na França. Jonathan ressalta que ainda há uma grande interrogação para a turnê, pois depende da situação da pandemia, mas não vê a hora de embarcar.
— A saudade da estrada e de tocar é grande. Nós lançamos o disco e ainda não fizemos turnê. É como se o disco não tivesse nascido ainda. Precisa ir para o palco para fazer sentido. Queremos muito voltar — diz Jonathan. — É uma mistura de sentimentos, de ansiedade e alegria, mas também de tensão por conta dessa incerteza. O lance é ter fé que tudo vai dar certo.
Reação repaginada
Embora tivesse sido anunciado o fim da Reação em Cadeia em 2016, o grupo ainda vive por conta de Jonathan. Segundo ele, a Reação sempre foi um projeto solo em formato de banda.
— Eu fundei a banda e chamei a galera. Ao longo do tempo, passaram diferentes integrantes. Sempre conduzi esse projeto, ao mesmo tempo sempre tive dificuldade de assumir esse posto — afirma.
No ano passado, a Reação em Cadeia completou 20 anos. Não houve nenhuma comemoração por conta da pandemia. Para 2022, Jonathan pretende celebrar os 20 anos de Neural (2002), disco de estreia da banda que tem clássicos como Me Odeie e Infierno. A ideia inicial seria regravar só o primeiro álbum, mas logo decidiu incluir o segundo trabalho no pacote, Resto (2004), além de alguns singles. Todas essas regravações devem ser lançadas ano que vem.
Jonathan recrutou dois parceiros de EKT para o projeto: Rafael Miranda, que assumiu a bateria, e Jean Dolabella (ex-baterista do Sepultura) que divide as guitarras com o vocalista. Segundo o líder da Reação, o objetivo das regravações é apresentar as faixas com uma qualidade de áudio superior aos registros originais, que ele sempre considerou insatisfatórios.
— Está um absurdo! Uma sonzeira! É a realização de um sonho. Estou ouvindo as minhas músicas com uma qualidade legal para caramba. É como tirar o algodão do ouvido, com todo respeito à história que há por trás dos dois discos, que amo. Mas, ao longo dos anos, sempre quis fazer isso. É a versão do compositor ali, como enxergo as canções, como gostaria que fossem desde o princípio — pontua.
Mais perguntas para Jonathan Dörr
Por que você decidiu regravar os dois primeiros discos da Reação em Cadeia?
Naquela época, a gente não dispunha de tanto recurso para gravar. Não foi uma produção digna para as músicas. Sempre foi uma questão para mim, nunca gostei dos sons dos discos, apesar de ok, está gravado, é a fotografia daquele momento, mas não gostava do som que ouvia. Achava que poderia vir mais para fora a coisa. Só que abrir isso ao mesmo tempo é abrir uma caixa de sentimentos, porque começo a lidar com coisas muito profundas. Custou para eu fazer isso. Quando veio a oportunidade, dos 20 anos (de Neural), resolvi fazer. É um presente para os fãs e para mim.
O que o Neural representa para você?
Lembro de gravarmos na madrugada, em um inverno extremamente frio. Mas frio! O disco foi lançada em agosto de 2002, acredito que tenhamos gravado em julho, em Porto Alegre. Era muito difícil para gravar, ainda mais de madrugada, todo mundo meio zumbi. Tem até esse fator que me incomodou muito. Estávamos lidando com intempéries. No final das contas, as canções que estão naquele disco tocaram bastante de rádio. Lembro de me ouvir cantando em todas as estações. Da noite para o dia passei a dar entrevistas. Eu mal me conhecia direito. Existia uma cobrança em cima: “Tu não é o cara?”. Neural é esse caminhão que me atropelou. Mas significa muita coisa para mim. O Neural conta a minha história de adolescente. As letras são muito simples, não tem nada demais, a não ser a verdade de um cara filho do Paulo e da Beatriz, dona de casa e de um caminhoneiro, que não sabia se ia estudar psicologia ou jornalismo. Eu entregava água mineral e fui guincheiro, e daqui a pouco (estala os dedos), e virou aquilo que virou.
E como foi com o Resto? Houve alguma evolução em relação ao Neural?
Muitas coisas que estão no Resto são sobras do Neural. Por exemplo, Quase Amor e Tanto Faz eram para ter entrado no Neural. O Resto foi uma fase um pouco mais conturbada. Estava tendo que lidar com a fama. Sempre fui um cara muito tímido, tenho dificuldade em dar entrevista justamente por isso. Eu não sabia lidar. A banda gravou o disco aos trancos e barrancos. O grupo nunca se fechou muito em termos de diálogo. O Resto era meio “ih, vai acontecer alguma coisa, vai fechar o tempo”. Tanto que o disco é gravado, e a banda logo em seguida se separa. O nome Resto tem dois significados: é a sobras do Neural e o resto das coisas que eu tinha para fazer com aquela galera ali. Foi difícil para mim, deu tudo certo no fim.
Como foi gravar no 606?
Foi surreal. Estava lidando com meus ídolos debaixo dos meus olhos. Teve o dia que Dave Grohl chegou ao estúdio para nos ver. Outra vez, Pat Smear (guitarrista do Foo Fighters, ex-Nirvana) nos reconheceu e disse: “Ah, são vocês que estão gravando?”. Nos conhecemos na turnê e ele não sabia que estávamos gravando. Nos emprestou uma guitarra dele que ele usou no Nirvana. Usamos uma caixa de bateria cor de madeira do Roger Taylor, do Queen, usada no show especial logo após a morte do Freddie Mercury, em que o George Michael canta. Ele deu essa caixa para o Taylor Hawkins (baterista do Foo Fighters), e a gente pode usar. Usamos o baixo que o Dave Grohl utiliza naquela faixa Play, que tem mais de 20 minutos. Foi um momento muito especial da vida. Lembro que o Taylor estava fazendo um projeto com Matt Cameron (Nighttime Boogie Association). Lembro que a cozinha do estúdio dava para o estacionamento, onde fiz um churrasco. Fui até comprar tijolo para isso. Levei junto o Wiley Hodgden, integrante da banda de covers do Taylor (Chevy Metal), e ele não entendia. Fiz um churrasco no estacionamento do 606 (risos).
Como foi a aproximação com a equipe do Foo Fighters?
No segundo show da turnê brasileira de 2018, em São Paulo, nós queríamos agradecer a oportunidade de abrir essa turnê. Theo perguntou ao baterista do System of a Down (John Dolmayan) o que poderia dar de presente, algo que pudesse ser significativo. “Cara, compra um bom uísque, pois mostra que vocês tiveram um carinho com eles”. Dave recebeu o presente, deu um puta abraço na gente, gente fina para caralho. Ele disse: “Vamos beber isso aqui juntos, depois do show”. Fizemos o show e logo depois fomos para o camarim deles. Lá estavam também Taylor, Josh Homme, Jon Theodore, (baterista do QOTSA), aí começamos a tomar uns drinks com os caras. Josh bebendo tequila no gargalo, “toma aí, não tem não tomar”. Foi super divertido. A partir daí, nós encontrávamos eles todas as noites, jantávamos juntos. Depois do show de Porto Alegre, trocamos muita ideia com o Dave Grohl, ele contando histórias do tempo do Nirvana, enquanto comia batata frita no hotel, lembrando do tempo que não tinha dinheiro para comprar prato e tinha que cuidar para não quebrar. O cara é aquela pessoa que a gente costuma ver.