Não está mais na boca e nos ouvidos dos jovens. Não costuma aparecer no topo das paradas de sucesso do país. Em alguns casos, pode soar até ultrapassado (“cringe”). Mesmo assim, tem uma data própria para ser homenageado no Brasil: o Dia Mundial do Rock é celebrado, anualmente, no dia 13 de julho. Apesar do termo "mundial", a data é uma criação publicitária de duas rádios paulistanas no final da década de 1980, tendo sido escolhida em homenagem ao festival musical Live Aid, de 1985.
Há quem insista no rock. E resista. No Rio Grande do Sul, o estilo vai além de Porto Alegre, tornando-se fonte de negócio e de vínculos de comunidades locais, atendendo um público na faixa dos 25 aos 50 anos. Porém, se a pandemia atropelou a economia no geral, não foi diferente com quem trabalha com um gênero que insiste em não morrer.
Localizado em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana, o Abbey Road Bar completou 21 anos em junho, mas quase fechou as portas antes do aniversário. Com um nome que faz referência a um disco dos Beatles, a casa sempre trabalhou com rock e blues desde o início, focando na música ao vivo. Passaram por aquele palco artistas locais, nacionais e internacionais.
Por conta da pandemia, as atividades do Abbey Road tiveram de ser interrompidas, assim como ocorreu com os outros espaços do gênero. Seria a hora de se reinventar para sobreviver, mas como?
— Que tipo de reinvenção poderia ser feita? Tentamos sem sucesso o delivery e take away. Mas somos um bar de cultura. Como fazer delivery de cultura? Realizamos lives com boa vontade de músicos e técnicos. Remuneração não houve — lamenta Fernando Alfredo Motta, proprietário do Abbey Road.
Sem esperança para o futuro da atividade, Motta desistiu. Anunciou sigilosamente para alguns amigos e clientes próximos que iria encerrar as atividades do espaço. A fofoca se espalhou e os frequentadores não aceitaram o fim.
Com uma ajudinha dos amigos (“With A Little Help From My Friends”, como diria a música dos Beatles), o Abbey sobreviveu. A casa começou a receber doações financeiras de clientes de diferentes partes do Estado, do Brasil e até do globo — uma ajuda, por exemplo, chegou de um ex-frequentador que vive na Nova Zelândia. Motta afirma que não queria aceitar as doações, mas as transformou em vouchers, dando crédito para esses clientes usarem na casa quando puderem.
— Não tínhamos noção do carinho do público. Definitivamente, não nos autorizaram a fechar a casa. Tivemos essa sobrevida e o ânimo renovado — destaca o empresário. — Acho que o pior já passou. Agora é juntar os cacos.
Quem também contou com uma ajudinha dos amigos foi o Galera's Rock Bar, de Lajeado. Aberto há 12 anos originalmente em Estrela, mas deslocando-se para o município vizinho poucos meses depois, a casa correu risco de fechar na pandemia. Para o bar ser mantido, houve negociação de aluguel de imóvel e equipamentos, tentativa de delivery, lives patrocinadas, poupou-se o máximo.
Só que, em plena pandemia, o Galera's foi atingido pela segunda enchente de sua história, em julho do ano passado. A primeira foi em 2011, mas os danos foram menores daquela vez. Tiago José Kuhn (mais conhecido como TJ), proprietário da casa, estima prejuízo de aproximadamente R$ 10 mil. Foram danificados móveis e aparelhos, como balcão, mesa de sinuca, instrumentos, geladeira, equipamento de som, entre outros.
— Foi desesperador. Uns músicos fizeram vaquinha, e aí conseguimos dar uma levantada. Muita gente ajudou mesmo. Tem uns clientes fiéis que podemos contar — sublinha TJ.
Para Joe Pieta, a pandemia trouxe meses de "loucura". Ele é proprietário do tradicional Bar Joe, localizado em Garibaldi, na Serra. Fundado em outubro de 1983, o espaço se dedica ao rock há 38 anos — inclusive, teve sua história contada no documentário Paredes Que Falam (2015), de Everton Rigatti. Durante os meses em que o bar ficou fechado, a reserva foi acabando. Havia o medo de ter de se reinventar.
— Trabalhar sem música era o terror para mim. Nunca foi meu métier ter restaurante ou bistrô. Aqui é barzão mesmo, pub, onde pouco se come e muito se bebe — diz Joe.
Já o Zeppelin Bar, de Santa Maria, ganhou uma nova atividade durante a pandemia: passou a servir almoço, funcionando também como restaurante. Completando 15 anos de existência em 11 de outubro, o espaço oferece gastronomia e rock no coração do Estado. Durante anos, recebeu um público segmentado, até por conta da restrição do gênero musical — sequer era tocado rock brasileiro, só gringo. O almoço trouxe a possibilidade de atrair um público novo.
— Agora recebo médico, pedreiro e faxineira para comer a la minuta. Ainda assim, a gente consegue passar para essas pessoas um ar de pub, com iluminação. Conseguimos fazer com que as pessoas almocem ouvindo Metallica (risos) — relata Mila Rios, 37 anos, proprietária do Zeppelin.
Por que invisto no rock?
Aos poucos, essas casas de rock reabriram nos últimos meses e estão retomando a música ao vivo, ainda que seja só voz e violão, com público reduzido e atendendo a protocolos sanitários que variam conforme a região. Apesar das dificuldades impostas pela pandemia, ainda há pessoas dispostas a investir no gênero, mesmo que não seja mais tão popular no Brasil — onde as paradas estão tomadas por funk, sertanejo, forró, pop, entre outros ritmos.
Fernando Motta crê que mais de 90% dos bares sejam ecléticos musicalmente. Porém, ele resiste:
— Juntou-se o que eu amo e acredito com a minha questão profissional. Hoje eu não posso mais mudar. Abbey Road ficou maior do que o meu gosto. Nunca pretendi ir para esse lado da música mais comercial. Sempre tive esse limite: na minha casa toca o que eu gosto.
Que o diga Joe, em seu bar decorado com latas de cerveja, porta copos e demais objetos pendurados na parede (“Hoje é até chique, mas na época era uma coisa diferente”, como define). Nos anos 1980, ele chegou a recorrer a uma anteninha de cobre para sintonizar a Ipanema, só para tocar uma rádio mais identificada com rock no bar.
— Nesses anos todos, teve tantas modas que passaram e aguentei tudo no osso. Desde o axé, forró, nem falamos no sertanejo. Não tem porque eu tocar outra coisa aqui. Na minha vida, só fiz isso. Quem vem aqui sabe que o que vai escutar é rock and roll — explica.
É o mesmo sentimento de TJ em relação ao Galera’s:
— Sou roqueiro desde pequeno, nem saberia ir para outro lado. É meu ganha-pão. Preciso fazer a coisa dar certo.
Mila ressalta que a opção pelo rock é muito mais pessoal do que mercadológica. Apesar das dificuldades, o que traz satisfação pessoal à empresária é saber que exerce uma atividade em que ouve aquilo que ama.
— Talvez por isso tenha durado tanto tempo e a gente tenha a identificação musical com o cliente. Eu considero a atividade que faço na noite muito cultural. Se bar cedesse ao apelo do que se entende como música comercial, talvez não tivéssemos durado todo esse tempo. Isso só funciona mais por um apego emocional e afetivo do que financeiro — pontua.