A morte de Flávio Basso, o Júpiter Maçã, aos 47 anos, em 2015, representou um baque para o rock gaúcho. Embora não fosse um músico que ocupasse as grandes paradas de sucesso, sua capacidade de criar obras das mais diferentes facetas em alta velocidade, aliada ao costume de deixar discos e gravações com amigos, fez com que parte do seu legado ainda seja desconhecido do público. Mostrando o lado mais instrumentista do cantor e compositor, o inédito disco The Apartment Jazz foi disponibilizado nas plataformas de streaming na última quinta-feira (11).
— Esse disco traz à tona muito de uma sacada que de alguma maneira ele aplicava em algumas de suas obras, que era trabalhar bem as ambiências. Através da música, sugerir cenários, paisagens — aponta Lúcio Brancato, jornalista e citarista de Basso.
— Talvez até por esse período que estamos em isolamento na pandemia, para mim foi uma trilha para ficar em casa. Isso está conectado inclusive, obviamente, ao nome da obra. Estou aqui, no meu apartamento, onde escutei o disco do início ao fim, e ele fluiu como uma trilha da ambientação desse lugar durante seus 30 minutos — completa.
Gravado em 1999, o álbum é a trilha sonora do filme de mesmo nome, também escrito por Basso. Embora a obra cinematográfica tenha ido a público em 2001 — ainda que, atualmente, seja possível encontrar com facilidade apenas uma versão editada dela, preparada para exibição na MTV —, as músicas foram deixadas de lado pelo cantor. A estreia, em 2021, se dá graças a André Peniche, diretor do clipe Modern Kid com quem o artista trabalhou em vida.
— No período em que trabalhou no Apartment Jazz, ele começou a me mostrar coisas antigas, e a gente teve a ideia de fazer outro filme. Naquele brainstorming, fazendo com que a conversa continuasse fluindo, ele falou: “Cara, vou deixar isso com você, porque eu sei que você é como um cofrinho e, se eu precisar, vai estar contigo”. E isso ficou comigo por anos, até que ele morreu.
De lá para cá, Peniche já lançou uma versão remasterizada e colorida de Modern Kid, trabalha em um documentário sobre a vida do artista e ainda tenta organizar as redes sociais de Basso. Esta última tarefa foi o motivo pelo qual ele se aproximou de Egisto Dal Santo, responsável por cuidar da obra do músico junto à família. Em uma conversa com Basso, Peniche comentou sobre o fato de ter uma — e talvez a única — cópia completa de The Apartment Jazz, dando início ao processo de trazer o projeto à luz do dia.
— Ele era um cara que guardava o que chamava de “tesourinhos” dele. Alguns CDs com às vezes a única cópia de uma música que ele tinha feito e que, com o tempo, perdeu-se a gravação original. E ele mudava muito de casa, de moradia, mas sempre levava algum “tesourinho” com ele — conta.
É o momento em que se possibilita o reconhecimento em cima de sua obra em detrimento à pessoa. O Flávio Basso, que tinha seus problemas, foi para outro plano. A obra ficou.
LÚCIO BRANCATO
Jornalista
Na avaliação do cineasta, talvez o lançamento não esteja sendo exatamente da forma que Basso gostaria, caso estivesse vivo. Entretanto, o trabalho foi feito de maneira também a respeitar ao máximo a vontade do artista. Escaneada, a capa estava guardada junto com o álbum.
— A vontade que a gente teve mesmo foi manter isso bem cru. Para que que a gente vai inventar uma capa? Isso é o tesourinho dele, isso é uma coisa que era só dele — afirma Peniche.
Filme
A figura de Júpiter Maçã foi algo controversa no âmbito pessoal. Além da obra aclamada, ele acabou marcado por conta do alcoolismo — um comportamento que chegava a ser endossado por fãs. Meia década após a sua morte, músicas que estavam guardadas e que agora vêm a público podem ajudar na ressignificação do artista. Peniche diz, inclusive, já ver essa mudança acontecendo.
— Acho que é o momento em que se possibilita o reconhecimento em cima de sua obra em detrimento à pessoa. O Flávio Basso, que tinha seus problemas, foi para outro plano. A obra ficou. Isso vem a calhar de maneira positiva neste momento. E ele ficaria muito orgulhoso. Ele acreditava muito naquilo que fazia na música, sempre — ressalta Brancato.
Além da estreia do álbum The Apartment Jazz, a versão completa do filme homônimo também será disponibilizada para o público em breve. Com lançamento marcado para as 14h30min do dia 11 de abril, a obra poderá ser assistida no YouTube, no canal de André Peniche (confira aqui).