Por Henrique Inglez de Souza
Jornalista e crítico musical
O rock anda meio em baixa. Ao mesmo tempo em que a internet deu autonomia às bandas, diluiu e enfraqueceu a cena. O estilo cambaleia na era dos streamings e das redes sociais. Para piorar, a fatia que acaba se destacando não é a dos bons; é a de um pessoal conformista e sem graça.
Nessas horas vemos a falta que fazem figuras como Flávio Basso (1968-2015), ou Júpiter Maçã, ou Jupiter Apple, ou ainda Woody Apfel. Espíritos contestadores, livres, munidos da essência do rock. Legados sólidos, importantes para girar a roda e levá-la adiante.
Você examina a trajetória desse saudoso músico gaúcho e encontra um cara inquieto diante da própria criatividade. Do TNT e do rock sacana dos Cascavelletes à psicodelia solo, percebe-se um rebuliço nas entranhas. Uma rebeldia embutida que, de fato, o sagrava peça única. Ele jamais teria sido um figurante no rock.
Em matéria de análise de sua trajetória pessoal e musical, a biografia Júpiter Maçã: a Efervescente Vida & Obra se destaca. O livro dos jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt foi lançado em 2018, três anos após a morte do biografado. Traz minúcias de gravações, acertos e derrapadas, polêmicas, alcoolismo, a morte do filho, depoimentos diversos, entre outros pontos – e aqui vai um aceno aos autores, que zelaram pela seriedade. Afinal, não se trata a vida de alguém com desleixo.
Após duas tiragens esgotadas, a publicação virou tesouro em sebos. A boa notícia, porém, é que a reedição, revisada e ampliada, está prestes a sair. Serão 80 páginas extras, que incluem fotos e textos adicionais. A capa também foi repaginada, e haverá posfácio de Bento Araújo, editor da revista Poeira Zine e autor da trilogia Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil (1968-1975).
Júpiter Maçã: a Efervescente Vida & Obra voltará num período crítico, de crescente desinteresse cultural. Música virou algo distante e cada vez mais fragmentado. As novas gerações têm menos interesse pelos artistas e suas obras. Limitam-se às marcas de visualização e aos seus seguidores. Memória, que já não é o forte do Brasil, está indo para o brejo. Nesse sentido, a reedição dessa biografia vira motivo de festa. Ameniza o vácuo deixado por Júpiter Maçã.
A propósito, duvido que a pandemia pudesse limitá-lo. Artistas como ele permanecem se reinventando. Talvez Basso até desse um sentido instigante a essa onda de lives, curtidas e compartilhamentos. Haja vista suas atitudes ao longo da carreira, detalhadas nas páginas do livro.
Enquanto a maioria dos artistas se curvava ao mainstream, ele se mantinha fiel à própria vontade. E funcionava! Exemplos não faltam. Um deles é ter tido sua “punhetinha de verão” inserida na trilha sonora de uma novela das sete da TV Globo: Nega Bombom, hit dos Cascavelletes, embalou o sucesso de audiência global Top Model (1989). É até bizarro imaginar isso hoje, quando o mundo anda vigiado por causa do politicamente correto. Quase improvável, não? Por sorte, em 1989 não havia redes sociais...
Longe de uma carreira linear e previsível, a desse cara era uma lava-roupas repleta de pedregulhos ligada no máximo. Após o fim dos Cascavelletes e a breve reunião com o TNT, em meados dos anos 1990 veio a estrada solo. Com ela, um mergulho profundo pela inquietude que lhe chacoalhava as vísceras. O amadurecimento desenhou-se no universo amplo, psicodélico e experimental do a partir de então Júpiter Maçã.
O parto da carreira solo não poderia ter sido mais adequado: A Sétima Efervescência (1997). Um disco que é uma obra-prima, que merece mais do que o rótulo de cult brasileiro ao qual acabou associado. Ainda que Syd Barrett e Mutantes sejam evocados, a piração criativa do repertório é genuína. Músicas mais manjadas, como Um Lugar do Caralho, são só a ponta do iceberg. Um registro com pérolas do calibre de Pictures and Paintings, Walter Victor e O Novo Namorado não se limita a esta ou àquela faixa.
Já os álbuns seguintes, Plastic Soda (1999) e Hisscivilization (2002), revelaram lados abissais de Júpiter Maçã. Teve quem não gostou – talvez a fatia do público presa à eterna espera por novas Nega Bombom ano após ano.
Nem sempre é fácil digerir um artista livre enquanto as coisas estão acontecendo. A distância do tempo, nesses casos, permite apurar o olhar. E a volta da melhor biografia que saiu a seu respeito possibilita isso, cinco anos sem a sua presença, completados em dezembro passado.
Júpiter Maçã: a Efervescente Vida & Obra está em pré-venda até 23 de abril pelo WhatsApp (51) 9-8298-6277. Há uma página do livro em facebook.com/JupiterVidaEObra. Quem aproveitar esse período para a compra terá direito a mimos como escolher um dos cinco modelos de capas disponíveis. Nada mau, hein?