Com três metros de altura e 2,6 quilômetros de extensão, o Muro da Mauá é uma das paisagens que dificilmente são ignoradas por quem passa por Porto Alegre. Apesar das dimensões, a construção não é lá muito citada pelos compositores, escritores e outros agentes culturais da cidade.
No último dia 5 de janeiro, na assinatura da concessão para a implementação do Cais Embarcadero, o novo prefeito da Capital, Sebastião Melo, desafiou o governador Eduardo Leite a derrubar o muro.
Quando o assunto é música, uma das citações marcantes é da canção Berlim, Bom Fim. Gravada por Nei Lisboa no álbum Carecas da Jamaica (1987), foi escrita em parceria com Tchê Gomes. A letra falava de um "vergonhoso Muro da Mauá", na mesma época em que o Muro de Berlim era uma divisa simbólica entre mundo capitalista e socialista.
— Acho que o prefeito estreou com um decreto mais vergonhoso que o muro, de estímulo à pandemia. Mas não importa que sirva de biombo, a ideia de derrubar o muro é sempre bem-vinda. Há muito mais em jogo ali, nos projetos para o Centro Histórico — adverte Nei.
Alguns anos depois, Humberto Gessinger projetou o Muro da Mauá para todo o Brasil, ao citá-lo em uma das faixas do álbum O Papa é Pop (1990), maior sucesso comercial dos Engenheiros do Hawaii — disco de platina, por 250 mil cópias vendidas em um ano. A música Anoiteceu em Porto Alegre descreve: "Atrás do muro existe um rio/ Que, na verdade, nunca existiu".
— Não estou sabendo da derrubada. Quanto à canção, acho que retratar um momento da cidade não deixa de ser algo transcendente, mesmo que o momento passe. Fica o registro, o testemunho. E para quem nem sabe a que muro especificamente a música se refere, ela pode seguir viva, falando de forma mais abstrata. Cada um projeta ali seu muro, rio e por de sol —avalia Gessinger.
Em Enchente de 41, da Graforreia Xilarmônica, Frank Jorge conta a história do fenômeno que deu origem à construção do muro. "O Guaíba entrou no Centro/ Que coisa incomum/ E foi um aguaceiro, parecia até/ Que o rio saiu do curso/ E encharcou todas mulher", diz a canção. Ao final, a letra lamenta a solução, "um muro na Mauá para evitar outra invasão", e conclui: "Agora o Guaíba/ está distante/ Para ver essa beleza/ Tem que subir o Morro/ Santa Tereza". A faixa está no álbum Graforreia Xilarmônica: AO VIVO, de 2006.
O muro também é tema de uma canção Muro da Mauá, de Oly Jr., e é citado por Nando Gross na música Porto Alegre de Quintana.
Frank vê com "normalidade" o processo de derrubada do muro. O músico lembra que, muitas vezes, mecanismos criados para contenção e segurança acabam se revelando ineficientes, como na recente invasão ao Capitólio, por exemplo.
— Teoricamente, temos outras técnicas, táticas, ferramentas, dados para prever algo extraordinário e se preparar — afirma o compositor.