Se fosse por vontade política, o muro de 2,6 quilômetros e três metros de altura que separa Porto Alegre do Cais do Porto, ao longo da Avenida Mauá, já teria vindo abaixo.
No último dia 5 de janeiro, na assinatura da concessão de parte do Cais para a implementação do Cais Embarcadero, o novo prefeito da Capital, Sebastião Melo, desafiou o governador Eduardo Leite a derrubar o muro.
– Deixa o povo enxergar. Se o povo enxergar, vai obrigar o senhor e eu a resolver esse assunto – disse Melo.
A sensação foi de déjà vu. Em abril de 2019, na apresentação do mesmo projeto, o Cais Embarcadero, o então prefeito Nelson Marchezan também declarou que gostaria de derrubar o muro. Inclusive literalmente: disse que desejava pilotar o trator que o derrubasse. A sua gestão, todavia, encerrou com o muro no mesmo lugar onde está desde que foi erguido, em 1972.
Com a discussão ressuscitada, na sexta-feira passada (8) o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS (IPH) divulgou um manifesto para, segundo a instituição, “contribuir com alguns esclarecimentos” sobre o tema. Segundo Joel Avruch Goldenfum, diretor do IPH, a nota foi feita a oito mãos e não tem como objetivo se posicionar favoravelmente ao muro.
– Não somos contra a substituição. Mas é preciso que se garanta pelo menos o grau de proteção que se tem hoje em dia. Falo aos meus estudantes que, na Bíblia, o dilúvio foi causado por uma chuva de 40 dias e 40 noites. Sabe quantos dias choveu no RS na enchente de 1941? Foram 45. Então é preciso conversar com cuidado, porque alterar o sistema de proteção a inundações não é tão simples – declara Joel.
Conforme esclarece o IPH, o muro é parte de um sistema de diques internos e externos para proteger Porto Alegre do Guaíba que inclui casas de bombas, a freeway e as avenidas Edvaldo Pereira Paiva, Ipiranga e Diário de Notícias. Embora corresponda a apenas 4% do sistema de proteção, a ausência do muro comprometeria a chamada cota de proteção do sistema, que é de seis metros: três até o nível do Cais e outros três até o topo do muro.
Aí reside um problema. Embora tenha havido vontade de sobra de derrubar o muro nas últimas administrações municipais, ela vai para o fim da fila de prioridades quando passa a ser necessário discutir alternativas e arcar com os custos de uma obra que, até a conclusão, deixaria a cidade desguarnecida. O fato de a revitalização do cais ter ficado 10 anos parada também não ajudou a aumentar a vontade de derrubar esse tapume involuntário.
Alternativas
De acordo com o IPH, o que há de mais moderno hoje para a contenção de inundações são estruturas temporárias. Na Europa central, a partir de uma enchente entre maio e junho de 2013 que deixou nove países debaixo d’água, cresceu a procura por proteções contra enchentes. Embora tenha havido 25 mortes, o dano poderia ter sido muito mais catastrófico não fossem estruturas como a instalada em Grein, na Áustria, em que uma barreira temporária foi montada para conter o avanço do Rio Danúbio.
Composta de placas de alumínio removíveis empilhadas em hastes de aço, a estrutura formou um muro de 4,6 metros que por pouco não transbordou, gerando imagens que correram o mundo. A preparação para receber as estruturas havia ficado pronta apenas 10 meses antes, em agosto de 2012.
Como a possibilidade de uma inundação dessas proporções ocorrer em Porto Alegre é muito remota, uma alternativa mais viável seria a compra e manutenção de estruturas de contenção infláveis. Em 2015, a Agência Ambiental do País de Gales, no Reino Unido, fez uma estimativa do quanto custam estruturas temporárias contra enchentes. O estudo visava justamente auxiliar administradores públicos a compararem os custos de investir nelas ou em soluções permanentes.
Conforme o estudo, que planilhou gastos de regiões banhadas pelo maior rio do Reino Unido, o Severn, o custo médio dos municípios que recorreram a estruturas temporárias foi de 570 libras por metro de barreira. Considerando a conversão da libra e a longa extensão do muro da Mauá, seriam R$ 10,98 milhões apenas em equipamentos. A esse custo se somariam gastos de manutenção, treinamento, estoque e simulações periódicas para prevenção.
Herança da administração passada, estudo que desenha uma parceria público-privada para a drenagem de Porto Alegre promete ao menos apresentar alternativas para a ausência do muro. Nesse caso, a substituição por outro mecanismo poderia ser arcada por um parceiro de iniciativa privada que seria posteriormente recompensado pelos serviços de drenagem. A formatação desse contrato deve ocorrer ao longo do primeiro ano de governo.
A nova gestão, em que pese os custos e os desafios de derrubar o muro, se diz motivada a resolver o tema de forma responsável.
– Existe a vontade política de tirar um muro que esconde o porto da cidade. Eu tenho a convicção de conseguiremos, mas isso é um processo. É preciso avançar com responsabilidade, com passos sólidos e um bom projeto, mudando a ótica da pressa – declara o secretário de planejamento e assuntos estratégicos, Cezar Schirmer, encarregado da revitalização do Centro Histórico.
Em paralelo, o líder do governo na Câmara Municipal, Idenir Cechim (MDB), promete desengavetar em fevereiro um projeto de lei que determina, senão a derrubada, a diminuição do muro. Mais uma vez, o mesmo que se fez em 2019.