Há mais de 20 anos, um mecanismo legal garante que músicos locais devem realizar a abertura dos shows internacionais de grande porte que passam por Porto Alegre. De lá para cá, para citar alguns exemplos, Renato Borghetti pisou no palco de Roger Waters; Tati Portella, do Coldplay; e Cachorro Grande, dos Rolling Stones.
Para o vereador Felipe Camozzato (Novo), essa garantia deve acabar. Na semana passada, ele encaminhou um projeto para revogar a Lei nº 8203/1998, promulgada em setembro de 1998, que determina a abertura de shows vindos de fora do país por "músicos, cantores ou conjuntos musicais do município".
— Encaminhamos a revogação por entendermos que não cabe essa obrigatoriedade. Ela se torna um empecilho, uma burocracia que não tem justificativa, a não ser a justificativa de criar certa reserva de mercado para os músicos do município — afirma Camozzato.
Segundo o vereador, a ideia da revogação nasceu durante sua participação na Comissão Especial de Revisão Legislativa, grupo formado por diferentes parlamentares para analisar a eficiência de legislações em vigor na Capital. A equipe discutiu a lei, mas não houve consenso para que o projeto de revogação fosse encaminhado em grupo.
— Como essa revogação tem também um caráter ideológico, da minha percepção sobre o assunto, acho que seria injusto encaminhar isso enquanto comissão — avalia Camozzato. —Não falei com nenhuma produtora, pois falar com uma produtora poderia ser atender ao interesse corporativo dela, que talvez não queira ter custo. E eu estou pensando, na verdade, no cidadão, que não foi consultado nem pela produtora nem pelas bandas municipais se quer pagar por isso (os shows de abertura).
O músico Frank Jorge, que ao lado de Luciano Albo abriu o show de Paul McCartney na Capital em 2017, afirma que o intercâmbio entre artistas locais e internacionais ocorre em diferentes lugares do mundo, como uma forma de enriquecer os espetáculos:
— É uma prática muito comum no mundo todo. É muito bizarro chegar alguém agora e propor que não vale show local antes do show internacional.
Para Frank, os músicos locais são beneficiados ao ter contato com esquemas de divulgação e produção de ponta, consistindo em um grande aprendizado, e a plateia também ganha por ser sentir representada no palco:
— É interessante para o artista e para a plateia, que acaba de um modo ou de outro se enxergando no músico local. É um pouquinho da gente que está naquele palco.
Para Camozzato, o projeto de revogação oportuniza novas discussões sobre uma lei que está em vigor há mais de duas décadas.
— Certamente é uma lei positiva para os músicos do município. Mas é positiva para os demais impactados? Nessa lógica estamos propondo a revogação. Por ser votada no Parlamento, que é a representação da cidade, o município poderá ter o entendimento se isso é ou não uma prioridade.
Segundo a legislação atual, as empresas organizadoras de shows internacionais que não contratarem músicos locais para a abertura deverão pagar multa referente a dez por cento do valor arrecadado pela bilheteria. A lei não se aplica para os espetáculos de fora do país que ocorram em recinto fechado com capacidade menor ou igual a dois mil espectadores.