Seu Jorge volta nesta quarta-feira (31) à Capital para show no Auditório Araújo Vianna, às 21h. No espetáculo, o carioca revisita sucessos em um formato acústico, acompanhado do parceiro Pretinho da Serrinha. Apesar de não trazer novidades no repertório, o artista vem preparando disco novo e também aguarda a estreia nacional de Marighella, filme no qual encarna o protagonista. Nesta entrevista, ele fala sobre os novos projetos, o momento político do Brasil e também seu inseparável kit de tricô.
Você está trabalhando em um disco novo, para lançar ainda neste ano. O show que está trazendo para Porto Alegre adianta esse repertório? O que podemos esperar do espetáculo?
Passei três anos viajando pelo mundo, fazendo show de voz e violão tocando músicas do David Bowie. Foi uma coisa vitoriosa, mas não via espaço para trazer esse show para o Brasil. É repertório conhecido de muita gente, mas não no país. Por outro lado, sempre quis fazer por aqui um show mais íntimo com o público. O Pretinho da Serrinha é meu amigo há 20 anos, temos muita história. Então nos juntamos para revisitar nossa trajetória. Muita gente fica curiosa de ver, gente que ajudou a consagrar esse repertório.
Não entra nenhuma música do repertório de David Bowie?
Não. As pessoas no Brasil não têm intimidade com esse repertório. Ele nasceu quando participei do filme A Vida Marinha com Steve Zissou, do Wes Anderson. Na época, o Wes pediu que eu fizesse 14 versões de Bowie para o filme. Eu tinha entendido que ele ia usar só no filme, mas ele resolveu lançar um álbum. Fiquei morando na Itália durante as gravações. Ele lançou o disco em 2005, e eu só fiquei sabendo em 2006, ao tocar no Coachella. E o disco saiu no Brasil, mas o filme não foi muito visto, então não ficou bem explicado. Disseram que eu assassinei os clássicos. Mas eu toquei mal e cantei mal, sim, porque meu personagem não era artista, então tinha que fazer uma coisa amadora. Apanhei muito. Só tomei nota zero. Fiquei traumatizado com esse repertório.
Como foi revisitar esse repertório traumático?
O Bowie morreu em 2016 e, em uma coincidência triste, meu pai morreu três dias depois. Meus agentes dos EUA pediram para eu fazer um tributo. Mas eu não queria me envolver com esse álbum de jeito nenhum. Tinha vergonha. Descobri depois que o Bowie gostava, o mundo inteiro amou e ganhei cinco estrelas em tudo que é lugar, com exceção do Brasil. Quando o Bowie morreu, me incentivaram a fazer essa temporada. Pensei que seriam 10 shows. Fiz 32, em 45 dias. Todos com ingressos esgotados. Depois, David Campbell, pai do Beck, fez arranjos e fiz shows com orquestra. Teve Hollywood Bowl, Grécia, Lyon, Paris, Washington, Estocolmo... Toquei na Argentina, no Chile, na África, no mundo todo.
Foi nessa ocasião que você gravou Astronauta de Mármore, versão do Nenhum de Nós, sem autorização da banda?
Aproveito a oportunidade para explicar. Eu mencionei à produção que essa versão era deles. Não tinha por que fazer uma versão se essa existia. Para mim, isso adiantava meu expediente. E era muito massa, porque a versão deles é a única literária do disco, mais em cima da letra. Quando gravei, tinha certeza de que essas autorizações já existiam, porque eles deviam ter a autorização do próprio Bowie. Quem autorizou essas músicas todas para o filme foi o Bowie. Eu não sou autor das músicas, sou o autor das versões que criei. Só dessa que não, o que foi mencionado, mas no meio da confusão não colocaram os nomes dos meninos do Nenhum de Nós. Cheguei a conversar com um deles, falei que não tive nenhuma intenção ruim, até porque não recebo nada pelas versões que eu escrevi. Todas as músicas pertencem ao Bowie e à família dele. Mas eles contestaram, acho que até tentaram alguma via judicial ou coisa assim, não me lembro. Mas foi um grande equívoco, porque lá fora, a produção americana não tem obrigação de pedir permissão para nada. Se o filme é produzido no Brasil, aí as leis pedem que você emita as permissões, mas se é nos EUA vai direto para o autor. Foi mais uma questão de erro de comunicação mesmo.
Como foi o processo de criação no novo disco?
O The Other Side meio que nasceu desse shows em homenagem ao Bowie. Muitas das orquestras com que toquei me questionaram se eu não arrumava um repertório brasileiro para tocar junto. Aí o disco nasceu com essa intenção. Não estou preparado para levar nada do disco para o palco, até porque The Other Side tem outra formação, não é voz e violão. É banda mesmo. Vai ter só uma canção minha. Será um álbum de intérprete, com músicas que eu gosto.
Você mora desde 2013 nos Estados Unidos. Muita coisa mudou no Brasil de lá para cá. O que está achando do país?
Uau. É um país diferente, que está tentando se reerguer no meio de tanta crise, de tanta dificuldade. Estou tentando entender como vai funcionar o sistema. É um país que a gente precisa esperar para ver, entender melhor como as coisas vão ficar. Parece haver uma sensação de suspense. Há uma promessa de uma economia melhor, de mais emprego, de dias melhores para o povo brasileiro, educação, segurança, saúde. Vamos ver se o Brasil consegue atingir suas metas. Não temos muito o que criticar, se você entender que é difícil fazer tudo em tempo recorde. Ainda é pouco tempo para analisar. Isso vale para qualquer corrente de governo. Seria imaturo e irresponsável fazer uma análise agora.
Você também estrelou o filme Marighella, sobre o guerrilheiro assassinado pela ditadura militar, com direção de Wagner Moura, que está circulando pelos festivais. Como foi a experiência de viver esse personagem?
Foi muito bom trabalhar no filme. E foi muito importante trabalhar com Wagner. Aprendi muita coisa com ele. É um ator competentíssimo e um diretor maravilhoso. A experiência em festival foi maravilhosa, porque o filme foi bem aceito. Artisticamente, é um filme muito bonito, que todo brasileiro merece ver. Continuamos no circuito de festivais e, ao que tudo indica, em 20 de novembro teremos a estreia no Brasil.
Na Alemanha, depois de participar do Festival de Berlim, o filme foi criticado por focar no tema racial, esvaziando a questão política e ideológica. O que achou do comentário?
O filme é uma peça de arte. Como expressão de arte, vai sofrer crítica mesmo. O importante é que o cinema tem que continuar sendo livre. O cinema tolhido, preso, engessado não gera esse tipo de discussão. Sempre vai ter gente para comentar o assunto, discutir e aprofundar. Se as críticas forem para aprofundar e desenvolver o pensamento, são válidas. Se forem rasas, não vão adiante.
No caso do filme, a negritude de Marighella é sublinhada. Você acredita que isso aprofunda uma nova discussão sobre ele?
Para o personagem e para o Brasil também. Ele é a cara do Brasil, e o Brasil é negro. É um país miscigenado, de um povo lindíssimo. E o Marighella tem tudo isso. O importante é que, nos últimos 20 anos, percebo um desejo de o Brasil se reencontrar consigo mesmo, olhar para si e se reconhecer como povo, reconhecer sua origem, sua expressão. São essas pessoas que fizeram e moldaram a gente, Machado de Assis, Gilberto Gil, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Pixinguinha, Villa-Lobos... Todas essa personalidades dão uma cara para a gente e, nos últimos 20 anos, o Brasil tem tentado se encontrar com esse retrato. É bonito ver esse reencontro, porque é ele que vai dar personalidade ímpar para nossa gente no mundo. O mundo tem muita simpatia pelo Brasil. Há uma torcida para que a gente vá bem e, consequentemente, toda a América do Sul. Vamos pensar assim. Vamos inspirar as pessoas. Vamos nos unir. Brasil bom é unido, pensando e desenvolvendo junto. Nosso país não é para desunião.
Por que saiu do país em 2013? Tem desejo de voltar?
Estou o tempo todo aqui. Tenho mãe, irmãos, carreira aqui. Tenho necessidade de falar minha língua. O Brasil sempre faz parte da minha vida e dos meus planos. Meu trabalho é representar o país. Mudei por conta do trabalho. Muitos de nós fomos criados com pais assim. Para minhas filhas também foi legal. Elas queriam viver essa experiência quando pequenas. Com crianças, o mais indicado era ficar com a família lá. Não pretendia ficar tanto tempo. Minha ideia era permanecer um ano ou pouco mais. Acabou que elas se adaptaram, pegaram uma graduação de escola. Aí fiquei com dó de trazer de volta no meio desse processo.
Com a música e o cinema, você largou o tricô? Você tinha até criado um perfil no Instagram para divulgar trabalhos manuais, o Novelo de Anjo, mas a página está parada. Desistiu?
Nada! O Novelo de Anjo vai voltar com toda a força. Agora que está friozinho tem tudo a ver. Apesar de não estar postando, sigo tricotando muito. E é o que me salva no avião. Com agulha reta não deixam entrar, barram no aeroporto, mas a agulha circular é uma maravilha. Tenho um kit e levo os novelos. Às vezes pego um voo de 12 horas, dá tempo de terminar um pedaço de uma peça. Gosto demais de crochê e tricô. E também de carpintaria, fazer um móvel, uma cadeira, uma mesa, essas coisas que você ganha um tempo se distraindo, curtindo, aprendendo um pouco de simetria, de tirar medida... Trabalho manual é muito bom, e não precisa fazer tudo de uma vez só.
Você faz peças para si ou para presentear?
Vivo fazendo cachecol em voo de avião, aí chega no final e dou a peça para a comissária. É frio dentro do avião em voo internacional. As comissárias sempre ficam olhando, não acreditam. "O que esse cara tá fazendo? Esse negrão, grande, com essa mão bruta, fazendo tricô? Não é possível!". Aí vão me perguntar como é, como aprendi. Vem a curiosidade. Antigamente isso não era visto como coisa de homem. Até hoje tem preconceito, mas isso está sendo quebrado. Muita gente chegou na minha página por causa disso. Foi uma oportunidade de falar do assunto sem preconceito. Muita gente veio me parabenizar, por mostrar que homem também pode fazer e porque dá força para o artesanato brasileiro. É uma arte linda, e é responsável por boa parte do PIB brasileiro, coisas que a gente tem que aplaudir e ficar de olho.
Seu Jorge e Pretinho da Serrinha
Nesta quarta-feira, às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 260 (plateia gold), R$ 200 (plateia baixa central), R$ 180 (plateia alta central), R$ 160 (plateia baixa lateral) e R$ 140 (plateia alta lateral).
À venda na bilheteria do Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80, das 10h às 22h) e pelo siteuhuu.com. Na quarta-feira, a partir das 16h, também na bilheteria do local.