Morto no início de julho, o compositor João Gilberto não deixou apenas um legado artístico, mas um imbróglio judicial: sua família e a gravadora EMI, que detém grande parte de suas músicas, agora brigam na Justiça por direitos autorais.
De acordo com reportagem divulgada no domingo (28) no Fantástico, os filhos de João Gilberto dizem que a EMI deve cerca de R$ 200 milhões em direitos autorais para a família. A gravadora, no entanto, argumenta que o valor é bem mais baixo: em torno de R$ 13 milhões.
Em 1988, a EMI relançou discos de João Gilberto alterando algumas das notas das versões originais. As alterações incomodaram o músico e o fizeram recorrer à Justiça, dando início ao processo que se arrasta até hoje. Conhecidos como "santíssima trindade" pelos fãs, os discos são Chega de Saudade (1959), O Amor, o Sorriso e a Flor (1960) e João Gilberto (1961).
Uma perícia realizada pela Justiça em 2015 calculou que a dívida da gravadora seria de cerca de R$ 170 milhões. Corrigindo os valores, os herdeiros pedem os cerca de R$ 200 milhões já citados. No entanto, uma nova perícia, realizada em julho deste ano, reduziu bruscamente a dívida para os R$ 13 milhões defendidos pela EMI.
Ao Fantástico, os advogados da família de João Gilberto disseram suspeitar que a nova perícia realizada seja uma fraude, alegando que a gravadora fez o laudo inteiro, de modo que o perito apenas deu sua assinatura.
— Nós pedimos a instalação de um inquérito para apurar o fato. Mas eu vejo fortes indícios de cometimento de crime — diz Michel Asseff, um dos advogados da família.
Nessas situações, o juiz escolhe um perito para fazer os cálculos da dívida e elaborar um laudo. Às partes envolvidas cabe a contratação de assistentes técnicos para acompanhar o trabalho do perito responsável.
Uma das ressalvas que se faz ao último laudo é que não há informações sobre as vendas de discos de João Gilberto realizadas no exterior antes de 1974. Em 1965, por exemplo, o músico ganhou o Grammy, maior prêmio da indústria da música, pelo trabalho Getz e Gilberto, gravado ao lado de Stan Getz. De acordo com o especialista em direitos autorais Daniel Campello, o álbum vendeu mais de 2 milhões de cópias.
Outra contestação dos advogados da família é que, no pen drive entregue pelo perito João Carlos Loureiro, foi possível verificar que o arquivo contendo o laudo foi criado por Christofer Cunha — um dos sócios da empresa que fez, na função de assistente técnico contratado pela gravadora, o cálculo da dívida de R$ 13 milhões. Também há suspeita de que o laudo do perito seja praticamente igual ao laudo de Christofer.
— Há coincidências terríveis entre o trabalho do assistente técnico da gravadora e o trabalho do perito — argumenta o advogado Asseff, apontando a possibilidade de a gravadora ter cometido crime de falsa perícia.
Ao Fantástico, o juiz do caso, Alexandre de Carvalho Mesquita, emitiu uma nota rebatendo as acusações dos advogados da família. "É falsa a afirmação de que o laudo tenha sido produzido por qualquer outra pessoa que não o próprio perito", diz parte do texto. O juiz acrescenta que o perito João Carlos Loureiro tem sua confiança e que eles trabalham juntos há quase 20 anos.
A Universal Music, dona da gravadora EMI, foi contatada pela reportagem do programa da Globo, mas não deu retorno. O perito José Carlos Loureiro disse que iria se manifestar somente após ser comunicado oficialmente sobre a investigação.