Ao assumir oficialmente a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro (OCTSP), em junho, Evandro Matté, 48 anos, tornou-se uma figura singular na música de concerto: dirige hoje três das principais orquestras profissionais em atividade no Rio Grande do Sul. Completam o seu portfólio a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), a principal do Estado, e a Orquestra Unisinos Anchieta. Isso sem falar na direção artística do Festival Internacional Sesc de Música, em Pelotas.
No cenário internacional, é comum maestros dividirem seu tempo entre duas orquestras, normalmente em países diferentes, o que torna o caso de Matté especial. Mas profissionais do meio musical ouvidos para esta reportagem reconhecem os feitos do caxiense radicado em Porto Alegre, que se notabilizou por aliar a direção artística com o trabalho administrativo. Ele não apenas rege, define o repertório e convida maestros e solistas, mas se envolve com captação de recursos, gestão de projetos e o futuro das orquestras.
– O maestro Evandro Matté faz parte de uma nova geração de regentes que se preparam para serem gestores também. Antes da execução, há um planejamento estratégico para alcançar o objetivo desejado, resultando em uma maior fluidez nas atividades e maiores possibilidades de sucesso na execução – afirma o violinista Elsdor Ricardo Lenhart, presidente da Affospa, a associação de músicos da Ospa.
Sonho realizado da casa própria
Trompetista concursado da Sinfônica de Porto Alegre desde 1990, Matté é uma prata da casa. Quando iniciou como diretor artístico da Ospa, em 2015, acumulava não apenas a experiência à frente da Orquestra Unisinos Anchieta como também exibia no currículo um MBA em Gestão Empresarial, estudos de Engenharia Civil (não chegou a se diplomar) e cursos sobre leis de incentivo à cultura. Em menos de quatro anos, desatou nós que atravancavam há tempos o desenvolvimento da Ospa. É ele quem explica:
– Os diretores artísticos normalmente faziam um trabalho musical de alto nível, mas nunca se preocupavam com a solução dos problemas estruturais. Não tínhamos condições de trabalho adequadas. Com o passar dos anos, isso vai gerando uma decepção. Então, pensei: "Se algum dia eu for diretor artístico, vou me preocupar com o todo, não apenas com a parte artística".
O nó mais importante que Matté desatou foi a inauguração da Casa da Música no Centro Administrativo Fernando Ferrari, a primeira sede da história da orquestra (o antigo Teatro da Ospa, na Av. Independência, era alugado). O evento de abertura contou com um piano Steinway novo do mesmo modelo que a Ospa havia comprado em 1997 e que jamais havia sido entregue devido a um imbróglio com a antiga importadora. A sala de concerto estreou em março último, mas a obra da Casa da Música segue. O desejo é entregar o complexo em 1º de dezembro, com a Sinfonia nº 9, de Beethoven, e o lançamento do novo CD – a orquestra não gravava um disco desde 1999.
Outro feito que parecia impossível foi a nomeação de 27 músicos que haviam prestado concurso em 2014. Uma conquista e tanto em meio à crise no governo do Estado, ao qual a Ospa é vinculada. Matté planeja um novo concurso neste ano com 12 vagas, incluindo a criação de um banco para substituir os seis ou sete músicos que devem se aposentar nos próximos anos.
No quesito artístico, a Ospa sob a batuta de Matté voltou a apresentar óperas do repertório tradicional em versão encenada depois de 14 anos, com Don Pasquale, de Donizetti, em 2016. Mas os músicos tiveram de dividir o palco com os cantores porque o fosso do Theatro São Pedro continha uma divisória que reduzia seu espaço. Em Don Giovanni, de Mozart, em 2017, a parede foi retirada, e o problema, resolvido.
Entretanto, o fato de três orquestras do Estado serem pensadas por uma única mente desperta uma reflexão sobre pluralidade de ideias. Na Orquestra do Theatro São Pedro, Matté substituiu Antônio Carlos Borges-Cunha, que era o diretor artístico e regente titular desde 2004. Cunha diz que foi "surpreendido" pela decisão de seu afastamento:
– Ao longo dos 14 anos em que dirigi artisticamente a OCTSP, minha atuação sempre foi marcada pelo diálogo. Consolidei uma identidade estética para a orquestra, estabelecendo diálogo entre a tradição e o novo, entre o erudito e o popular.
De sua parte, Matté garante que se questionou sobre a concentração de orquestras sob seu comando, mas defende que tem projetos diferentes para cada uma delas: o da Ospa é se dedicar ao grande repertório sinfônico e se consolidar como uma das grandes do país; o da Unisinos é unir erudito e popular, atingindo o público universitário; e o do São Pedro é se voltar para a realização de óperas e balés, eventualmente tornando o teatro um produtor, a exemplo dos Municipais de Rio e São Paulo. Na prática, essas divisões não são estanques – neste sábado (14), a Ospa lotou o Auditório Araújo Vianna com um concerto de viés popular sobre o universo da Sbørnia.
Na Sinfônica de Porto Alegre, que se tornou a vitrina de seu trabalho, Matté tem passaporte até 31 de dezembro. Trabalhando de 12 a 14 horas por dia, estava inclinado a dar a missão por encerrada, mas reconsiderou a posição depois de ouvir a opinião de pessoas próximas. A decisão de continuar dependerá das eleições de outubro.
– Acho que uma gestão a mais de continuidade desse projeto faria muito bem para solidificar o trabalho – diz.