Tendo saído da cena musical alternativa do Recife para a trilha das novelas Babilônia (com Amor Marginal) e Geração Brasil (Alma Sebosa), o cantor pernambucano Johnny Hooker lançou, em 2015, um dos discos brasileiros mais elogiados dos últimos anos: Eu Vou Fazer uma Macumba pra te Amarrar, Maldito!. Combinando a fossa latino-americana com ritmos regionais, em uma contagiante síntese pop, ele se apresenta pela primeira vez em Porto Alegre, nesta sexta-feira (20/5), às 21h, no Theatro São Pedro, em um aguardado show com ingressos esgotados, dentro do 11º Festival Palco Giratório Sesc/POA. Leia, a seguir, a entrevista que ele concedeu, por telefone, a Zero Hora.
A sua música com ares de fossa contrasta com os sucessos mais tocados no país, que falam de festas e bebida. Como você analisa esse contraste?
Acho que a música latina sempre teve uma verve muito ligada à música romântica. O que a gente vê nas paradas, essas músicas falando de festas e de se divertir, são mais um reflexo da música pop americana, anglo-saxã, que tem essa cultura de música pop dançante. Não que a gente não tenha, mas a nossa cultura de música dançante e de festa está muito ligada a questões culturais, a tradições, nossa religiosidade, nosso folclore. Nossa música de dançar vem principalmente da cultura afro, da herança da Mãe África e dos nossos hermanos latinos. Às vezes, somos tão americanizados que não recebemos muito essa referência. A música latina como um todo tem essa característica da música romântica. Dentro da música romântica, existe o grande nicho da música da dor de cotovelo. É uma tradição da América Latina e eu diria mundial também.
O disco tem referências de música regional, cultura afro, entre outras. Como você chegou a essa síntese?
O mais importante para mim era fazer um disco de música pop. Pensei no que é a música pop brasileira. É uma conjunção de tantas coisas. Tem a matriz da Mãe África, ritmos regionais e nossa influência anglo-saxã, da música americana, britânica e europeia como um todo. Temos uma herança forte, por um lado, da Mãe África e, por outro, da tradição europeia. Pelo fato de ter nascido e sido criado em Recife, cresci rodeado dessa musicalidade muito forte, da música de tambor, do maracatu, do frevo. Então, eu queria fazer um disco universal e que, ao mesmo tempo, falasse com carinho da minha aldeia, de Pernambuco. E que tentasse de alguma forma resgatar um pouco esses ritmos nossos, a nossa música popular, e devolvesse em formato pop, de música com refrão.
Seus shows são conhecidos por combinarem música e performance. Como você faz esse cruzamento?
Considero o show uma peça. Tem um arco dramático, uma narrativa, é dividido em atos. Foi muito legal o convite do Sesc porque é um show que conversa com a dança, com as artes cênicas. Sempre fui um artista muito visual. A gênese da minha obra é muito misturada com o cinema. Tanto que já tive música na trilha sonora de diversas obras audiovisuais. Dou um grande peso para os clipes, para a manifestação visual do meu trabalho. Quando chegou a hora de montar o show, queria que seguisse o mesmo arco dramático que tento contar no disco, uma história de amor que começa no abandono e caminha até a superação com a chegada de um novo Carnaval. É muito importante para mim que o show conte uma história, que as músicas separadas também contem uma história. Tão importante quanto evocar as imagens da música na cabeça das pessoas é complementar essas imagens com uma narrativa visual que seja interessante.
No show em Porto Alegre, o disco será tocado na íntegra?
Toco o disco na íntegra. E tem surpresas, alguns covers que a gente faz. Como o show dessa turnê é uma peça, varia muito pouco. Tem sido uma experiência incrível. O show em Porto Alegre deve ser o 35º da turnê. Por onde passamos, temos recebido uma resposta emocionante. Estarei pela primeira vez em Porto Alegre. Tem um público grande aí, inclusive os ingressos esgotaram há quase um mês. O público de Porto Alegre tem muito carinho pelo trabalho, estou muito feliz de poder fazer essa troca pela primeira vez.
Qual é o perfil do seu público?
É muito heterogêneo. Tivemos músicas em filmes brasileiros de perfil mais independente e músicas em novelas. O público de novela é muito heterogêneo. Teve (música) em novela das sete, que é um público mais jovem, e das nove, que é um público um pouco mais velho. Teve (música) em cinema independente, que faz muito sucesso nos círculos acadêmicos e na juventude mais antenada com as questões sociais e políticas. No show, você vê um público gay, hétero, senhorinhas, gente que leva os filhos, crianças que viram a música na novela das sete e gostam. É muito amplo. Isso me deixa feliz porque, como eu disse, a intenção era fazer um projeto de música popular. O fato de o público ser tão heterogêneo atesta que a gente de alguma forma conseguiu o objetivo: alcançar um público diverso.
Você já se declarou feminista. Como as questões sociais e políticas entram no seu trabalho?
Tento não ser panfletário. Como artista, como um homem gay, um performer, essas questões estão intrinsecamente ligadas às questões que vivo no dia a dia. Tiramos o sumo dessa experiência que colocamos na nossa arte das coisas que vivemos no dia a dia. E também das coisas que não vivemos, mas vemos, as questões com as quais nos sensibilizamos, nos solidarizamos. Está muito na arte, no meu trabalho, nas minhas músicas e na performance essa provocação dos paradigmas, dos limites, do que é liberdade. Está tudo lá, mas não tem um grito de guerra propriamente dito. Está nas entrelinhas, nas palavras e na performance.
Você veio da cena alternativa de Recife e hoje tem músicas em novelas. Tem medo de ser cobrado para assumir um lado mais comercial?
Não. Acho que para mim a questão sempre foi ser um artista pop, popular. Se o público abraça e gosta, para mim é perfeito. A maior emoção da minha vida é tocar para esse público heterogêneo, perceber que tem desde crianças até senhoras com mais idade, e todo mundo está tocado por aquela arte. Até porque sempre produzi e continuo produzindo de maneira muito independente. Sou minha própria empresa. Acho que esse é o futuro dos artistas daqui para a frente. A maior cobrança mesmo é a minha, de continuar fazendo a música pop que eu gosto, que acho que é a mais importante.
Não pretende assinar com uma grande gravadora?
Já tive propostas, mas não é vantajoso mais para o artista. Você fica dependendo de uma multinacional cujos interesses não são você. Estão mais preocupadas em instaurar os artistas que já vêm com uma carga de dinheiro, de investimento em marketing gigante dos Estados Unidos ou da Europa e ajudar a promover esses artistas aqui do que lançar novos nomes da música brasileira. Ainda mais na saia justa que elas (as gravadoras) estão, investir em um artista aqui e não ter retorno... Acho que chegaram em um momento em que não podem mais arcar com esse prejuízo. Ninguém da minha geração com quem eu converse tem muito interesse em gravadora.
Até porque hoje gravar um disco é mais fácil e barato.
Não é nem porque é mais barato. Ainda continua sendo caro porque fazer turnê é um processo que envolve muita gente e envolve muito reinvestimento. Você tem que administrar a sua empresa para fazer seus clipes, ter um assessor de imprensa legal. Tudo que uma gravadora poderia fornecer você pode fazer de maneira independente. É só ter a paixão de correr atrás com unhas e dentes e ter a sorte de o público lhe abraçar. A gente nunca sabe. Até quando vai lançar uma música nova, nunca sabe se as pessoas vão gostar ou não. O artista está sempre à beira do abismo. Mas se você tiver sorte das pessoas abraçarem, tem que ir em frente, levantar voo.