Quando o jornalista Ricardo Viel contou a Yamandu Costa a ideia de escrever sobre a vida do gênio das sete cortas, o músico gaúcho reagiu assim:
— Meu Deus, eu sou muito novo!
Fã do multipremiado violonista, o autor explicou que não se tratava de uma biografia, mas de uma "história em andamento". Assim nasceu Yamandu Costa - Violão sem fronteira, uma obra sobre o instrumentista que leva o Rio Grande do Sul na bagagem (e no coração) desde sua origem, em Passo Fundo, até os palcos do mundo.
Com versões em português, espanhol e inglês, o trabalho deve ser lançado em março em papel. Por enquanto, está disponível apenas como e-book (leia abaixo). Acabou sendo um presentão de aniversário para o artista, que fará 45 anos em 24 de janeiro com um show inédito no Theatro São Pedro, em Porto Alegre.
A ideia do livro surgiu em 2019, quando Viel soube que Yamandu estava se mudando para Lisboa. O escritor paulista vive na capital portuguesa desde 2012, onde atua como diretor de comunicação da Fundação Saramago.
— Sempre gostei muito do Yamandu e acompanhei a carreira dele. Pedi uma entrevista para fazer um pequeno perfil — recorda Viel.
A primeira conversa foi regada a cerveja, com Yamandu mais curioso sobre a vida em Portugal do que disposto a narrar suas aventuras. Viel seguiu o trabalho, conversando com amigos e familiares do violeiro. Quando se deu conta, tinha muito mais do que um texto curto.
— Falei com mais de 30 pessoas — diz o autor, que transformou o material em livro e teve o apoio do ídolo na publicação.
Quando o vencedor do Grammy Latino leu a versão final, não pediu para alterar nada. Yamandu também não interferiu no processo de criação.
— Ele nem sabia quem eu era e confiou em mim. Tive o cuidado de não falar em biografia, porque Yamandu tem muito pela frente. Senti que, no começo, ele tinha resistência, parecia que era algo que não importava tanto. Depois, ele se deu conta da importância de documentar tudo. Fiquei feliz com o resultado — conclui Viel.
Sem armadilhas
Avesso à autopromoção, Yamandu é modesto ao falar da "não-biografia".
— É muito fácil cair em armadilhas do ego, mas o Viel foi muito equilibrado. É uma história em andamento, de uma vida salva pela música. No fim, acho que pode ser uma forma de aproximar as pessoas — diz Yamandu.
A obra
Yamandu Costa - Violão sem fronteira (Bagual Produções, 144 páginas), de Ricardo Viel, já está à venda na Amazon (basta clicar aqui) por R$ 24,99.
Dois trechos
A disputa se encaminha para o final, Yamandu e o adversário levam mais de meia hora naquela partida de bilhar e parecem não ter muito interesse em que ela termine. Durante o jogo a conversa tomou o caminho da nostalgia, falaram dos defeitos que o corpo, a partir dos 40 anos, começa a apresentar — tal qual um carro que precisa ser constantemente levado ao mecânico; refletiram sobre a importância de perder peso, alimentar-se de forma mais saudável e fazer exercício físico; reclamaram do duro que nos últimos tempos se tornaram as ressacas (durante o jogo bebem água com gás, o músico parou de fumar) e desabafaram sobre as relações conjugais.
O violonista então se inclina sobre a mesa, parece que vai jogar, mas recua. Volta a se endireitar, pousa o taco no chão como se fosse um bastão e, como quem anuncia uma descoberta, diz: "Parece que a vida vai ficando cada vez mais chata, não é?". E então, sim, repete o movimento, aponta e dispara. A bola branca passeia sobre o tapete verde, percorre boa parte da mesa até se chocar com a preta. Os dois observam o movimento das esferas, mas parecem um pouco alheios ao desfecho da jogada. A frase de Yamandu ainda ecoa, convocou para uma visita ao passado, abriu um enorme baú de onde começam a surgir lugares, pessoas, histórias e momentos da vida do músico que vão passando diante dos olhos de ambos.
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Nascido numa família de artistas, Yamandu demonstrou interesse pelo violão desde pequeno. A partir dos 7 anos, com ajuda do pai, que além de músico havia desenvolvido métodos de ensino musical, foi aprendendo os primeiros acordes no instrumento. No entanto, o seu aprendizado deu-se, mais do que nada, na base da observação e da repetição. Rapidamente fez do violão o seu maior companheiro, inclusive preocupando a família pela quantidade de horas que passava tocando. Era conhecido como «o menino dos dedos verdes», porque, de tanto tocar, tinha na pele a cor do nylon das cordas do instrumento. Levava o novo brinquedo à escola para, no intervalo das aulas, enquanto os outros garotos jogavam futebol, praticar. "Era uma obsessão, como ainda é", resume o músico. "Mas a partir dos nove anos e talvez até os dezessete eu tocava mais de doze horas por dia".
O livro, por Yamandu
No Instagram, o artista leu trechos do perfil biográfico. Confira: