Correção: Antonio Cicero foi submetido a um procedimento de suicídio assistido, e não de eutanásia como publicado entre 10h09min e 17h52min. O texto já foi corrigido.
Morreu nesta quarta-feira (23) Antonio Cicero. Poeta e filósofo, o carioca integrava a Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2017. O óbito ocorreu via um procedimento de suicídio assistido realizado na Suíça. Cicero estava ao lado do marido, Marcelo Pies.
Durante os últimos anos de sua vida, o intelectual enfrentava problemas neurológicos após um diagnóstico de Alzheimer. Em nota, a ABL disse que a decisão pelo suicídio assistido foi mantida em sigilo a pedido do próprio escritor. Conforme a instituição informou ao gshow, o corpo do poeta será cremado e não será realizado velório.
O poeta também atuava como compositor. Entre as contribuições mais conhecidas para a música brasileira estão Fullgás e À Francesa, escritas em parceria com a irmã, Marina Lima, O Lado Quente do Ser, interpretada por Maria Bethânia e Alma Caída, gravada por Zizi Possi. Ele também é autor das canções Inverno e Maresia, compostas com Adriana Calcanhotto, além de O Último Romântico, com Sergio Souza e Lulu Santos.
Cicero deixou uma carta para os amigos próximos, divulgada pela ABL.
"Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas — senão a coisa — mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!"
Marina Lima postou uma homenagem ao irmão em seus perfis nas redes sociais.
A ABL ainda comunicou que fará uma Sessão da Saudade para homenagear o autor nesta quinta-feira (24). Todas as outras atividades desta quarta e quinta foram canceladas em luto por Cicero. O presidente da instituição, Merval Pereira, reverenciou o poeta como um dos maiores de sua geração.
"Preferiu morrer a viver sem poder fazer o que mais gostava: ler, escrever, filosofar. Uma escolha corajosa e coerente com o sentido que via na vida. A ABL programara para o final do ano uma homenagem a ele com um espetáculo em que sua irmã, Marina, cantaria suas músicas. Uma homenagem, agora póstuma, a um grande poeta brasileiro", afirmou.
Vida e Obra
Nascido em 6 de outubro de 1945 no Rio de Janeiro, Antonio Cicero Correia Lima era filho de piauienses. Em razão do emprego do pai, um cargo executivo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele morou parte da juventude em Washington, D.C., capital dos Estados Unidos.
A vida acadêmica de Cicero teve início no curso de filosofia da PUC Rio, e continuou no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Entretanto, ele terminou a graduação na Universidade de Londres, em 1969. A mudança se deu por conta de problemas políticos. Mais tarde, em 1976, o intelectual retornou aos Estados Unidos para cursar pós-graduação em grego e latim na Universidade de Georgetown.
Cicero teve diversas de suas poesias, que escrevia desde jovem, musicadas pela irmã, Marina Lima. Ele também colaborou com outros músicos, como Waly Salomão, João Bosco e Orlando Morais.
Em 2017, Cicero sucedeu Eduardo Portella, assumindo a cadeira 27 da ABL, que já foi ocupada por Joaquim Nabuco. Na ocasião, ele foi descrito como "um dos escritores mais representativos da literatura brasileira contemporânea" por Domício Proença Filho, presidente da instituição.
Entre as obras de Cicero, destacam-se os ensaios O Mundo Desde o Fim (1995), Poesia e Filosofia (2012), Finalidades sem Fim (2005) — finalista do Prêmio Jabuti — e o poema Guardar, publicado em 1996.