Seguir a paixão pelos livros, impulsionada pelo carinho com a saga Harry Potter, foi a receita do sucesso do casal Diego Barros de Souza, 37 anos, e Rafaela Trusz Silva, 40, para desenvolver seu primeiro negócio: a primeira livraria em mais de cinco anos de Barra do Ribeiro, cidade que fica a 56 quilômetros da Capital. Mesmo com a desconfiança dos parentes sobre o início de um empreendimento na explosão da pandemia de coronavírus, em abril deste ano, a realidade da Livraria Beco Diagonal mostra que a aposta deu certo.
Hoje, o empreendimento conta com mais de 3,5 mil livros para venda e, segundo Souza, cerca de 2 mil exemplares já foram vendidos em sete meses de operação. No início, a pequena cidade abraçou a iniciativa: cerca de 400 livros do estoque foram doados por moradores, que se comoveram com a ideia de incentivar a leitura na região. Com o comércio fechado boa parte do último semestre, muitos clientes negociaram os títulos pelo WhatsApp e retiraram na porta da livraria, em formato que foi autorizado pela prefeitura local.
Os saldões e as negociações com as editoras - muitas delas reduziram seus preços por conta da crise - ajudaram a alavancar o negócio. Além disso, o atendimento é personalizado: entre uma conversa e outra, o proprietário garante que já consegue chamar os clientes pelo nome e conhece o gosto literário de cada um, assim como dos respectivos familiares.
— No fim, acabo prestando uma consultoria. Teve um cliente ontem mesmo que veio aqui, comprou três livros em cinco minutos, mas permaneceu uma hora na loja falando sobre literatura comigo. Tenho essa preocupação de humanizar cada venda — explica Souza.
Os valores dos livros também têm sido avaliados caso a caso. Os seminovos e usados têm uma regra geral de não serem vendidos por mais de R$ 10. Os clientes que têm contato pelo WhatsApp, ainda, contam com promoções semanais, em descontos que vão de 20% a 85%. Esses diferencias chamaram atenção não somente de moradores de Barra do Ribeiro, mas também de Porto Alegre, Guaíba e outras cidades da região.
— Viramos uma atração turística por aqui, porque temos essa preocupação de democratizar a leitura. Tenho clientes que pedalam cinco quilômetros para comprar livros e gente que vem de sítios adquirir coleções completas — comemora Souza.
Para o futuro, com o fim da pandemia, a ideia é promover ainda mais interações com o público. Há um projeto de abrir uma cafeteria no local, assim como a realização de contação de histórias infantis para a criançada das escolas da região.
A paixão pelos livros também fala alto na mídia local, com Souza fazendo participações semanais em um programa de uma rádio da cidade dando dicas de leitura.
— Eu sempre digo que os livros são meus melhores amigos, porque sempre estiveram juntos comigo em momentos bons e ruins. A leitura liberta e dá asas, então faço questão de levar esse impacto que tive para as outras pessoas — reforça Souza.
Aventura familiar
Casados há 13 anos, a história de Diego e Rafaela começou muito antes de pisarem no município de 13 mil habitantes. Ele, estudante de Educação Física, vivia em Lages (SC) e acabou vindo para Porto Alegre, terra natal dela, para um congresso da universidade. Em Rafaela, formada em Fisioterapia, ele encontrou sua paixão em comum por livros.
A história deu tão certo que, depois de formado, decidiu vir morar na Capital com ela. Enquanto se dedicavam às suas profissões, os dois tinham um trato para a aposentadoria: abririam uma livraria.
No fim do ano passado, no entanto, Diego, Rafaela e as filhas Helena, 9, e Juliana, 4, acabaram se mudando para Barra do Ribeiro para ficar mais próximo dos pais dela. A intenção era abrir um estúdio de atividades físicas, mas o negócio teve que ser abandonado, visto que Rafaela e a filha mais velha do casal pertencem ao grupo de risco da covid-19. Com um espaço de 20 metros quadrados anexo à casa em que vivem, o plano da livraria foi antecipado.
Na hora de criar o nome, Rafaela e Helena interviram. Por serem apaixonadas por Harry Potter, sugeriram a Diego que o nome fosse ligado ao universo mágico - que também se tornou uma paixão do administrador após a esposa insistir que ele lesse os livros de J.K. Rowling. Na trama, o Beco Diagonal é uma rua escondida em Londres onde bruxos podem comprar ingredientes para suas poções e outros produtos mágicos.
— Queríamos um nome em português e a Helena sugeriu, porque ela adora. Mesmo com 9 anos, ela sugere, explica, fundamenta ideias, é a nossa Hermione mesmo, às vezes até peço para ela diminuir o ritmo com as ideias porque ela fala demais igual a ela (risos) — brinca Souza, fazendo referência à melhor amiga de Potter na série mágica.
Como a primeira livraria em mais de cinco anos na cidade, o líder do negócio acredita que o espírito de coletividade e diversidade ajudaram no sucesso.
— Tenho amigos que começaram a ler por minha insistência e aqui em Barra do Ribeiro vemos um gaúcho de bombacha conversando tranquilamente com alguém tatuado, por exemplo. As pessoas não se julgam, estão sempre respeitando. É legal ver essa diversidade e pluralidade das pessoas, como vemos nos livros — finaliza Souza.