O trabalho de um poeta é nomear as coisas que não estão ditas ainda, reflete Pedro Gonzaga. E os inomináveis sentimentos que nos deixam inquietos à noite, especificamente, são o objeto de seus versos em O nome da parte que não dorme (Editora Ardotempo, 128 páginas). Quarta incursão do autor pela poesia, a obra tem lançamento nesta terça-feira (1º), com live no perfil de Instagram do Instituto Ling (@instituto.ling), às 20h.
É o final de uma era para Gonzaga, que vê sua sequência de livros de poesia como uma tetralogia, que teve início em 2011 com A Última Temporada. A série, marcada por reflexões sobre o lirismo do cotidiano, tem um último capítulo dedicado à “metafísica das coisas miúdas”. A designação é do pai de Pedro, o também escritor Sergius Gonzaga, que assina a apresentação da obra. E o filho abraça essa declaração, afirmando que trata-se da “mais metafísica das obras que escreveu”:
— De alguma maneira talvez os filósofos mais antigos, os pré-socráticos em especial, acreditariam que essa é a única metafísica possível. Que é tu olhar para um copo de café e pensar por quantos cafés esse copo já passou. Reparar em cada pequeno gesto do cotidiano como oportunidade para que a gente se pergunte qual o sentido da experiência. Qual o nome da experiência. E, infelizmente ou felizmente, talvez, eu escrevi um livro sobre isso.
Dos copos aos ossos, passando pela banda e a caixa azul, as miudezas apresentadas no livro vem acompanhadas por doses da tal inquietação que ele busca revelar. Como na nostalgia triste de a casa: “entre as copas fechadas daquela rua/ no lugar onde ficava a casarão/ abriram um estacionamento lucrativo/ donde me acena um porteiro desatento/ sem saber que o chão em que pisa/ um dia percorremos com os pés acesos”.
Combinando experiência pessoal com divagações sobre o mundo, Gonzaga ainda coloca nas páginas reflexões sobre os absurdos da realidade, de prognóstico climático a frank & ava. Neste último, ele reflete sobre a noite em que Frank Sinatra e Ava Gardner ficaram presos por algumas horas, depois de serem pegos atirando com um .38 em uma pequena cidade dos Estados Unidos (“consta que ao chegarem à cidade de indio/ frank teria aberto o porta-luvas do cadillac/ e sacado daquele oco largo um trinta e oito/ com que alvejou as lamparinas dos postes/ seguido de perto por sua parceira”).
— Há alguma coisa ali que a gente prefere não ver. Há atrás daquilo ali talvez uma coisa que nos assuste. E isso é a base do livro. Eu sempre penso assim: há alguma coisa em qualquer evento capaz de nos assombrar e nos assustar. E essas coisas, ainda que a gente não dê nome para elas, são as coisas que quando a gente coloca a cabeça no travesseiro fazem com que a gente não consiga dormir. Que é justamente essa parte que não dorme.
Poesia numa hora dessas
Embora os poemas do novo livro tenham sido escritos entre 2017 e 2019, Gonzaga sente que o conjunto final de O nome da parte que não dorme é resultado direto deste ano quarentenado. Afinal, todo o processo de construção e edição foi feito nos últimos meses.
E ele não é o único que viu a poesia florescer em meio à pandemia. Nos últimos meses, o gênero foi agraciado com diferentes reconhecimentos: em outubro, a poetisa estadunidense Louise Glück foi laureada com o Nobel Literatura; já por aqui, na última semana, o Prêmio Jabuti de Livro do Ano foi para a poetista pernambucana Cida Pedrosa e o de Personalidade Literária, para a mineira Adélia Prado.
Apesar de ainda ser cedo para grandes conclusões, o escritor gaúcho vê um indicativo de fortalecimento do gênero em meio à grande transformação do cotidiano dos leitores, que trocaram a vida agitada das cidades por um dia-a-dia mais calmo e introspectivo dentro das próprias casas:
— Me parece que a poesia, em comparação com o romance, com a prosa, tem uma diferença essencial: ela é uma arte do estático. Quer dizer, é preciso parar para absorver um poema, um poema é sempre um gesto reflexivo. Em um tempo em que nós estamos parados, ou semiparados, sobra um espaço em que as pessoas têm de lidar justamente com essa imobilidade, que é a imobilidade que nos leva para dentro de nós mesmos.
É um movimento que Gonzaga vê com bons olhos, afirmando que “se isso for uma oportunidade para a poesia retornar, será um momento de grande alegria para a literatura”, principalmente após tantos anos de um mercado editorial dominado pela autoajuda. E o benefício é para todos, pondera o poeta:
— A grande autoajuda que a humanidade produziu, em matéria escrita, foi sempre a poesia. Se as pessoas não têm contato com isso, elas vão acabar tendo uma experiência muito mais vazia, muito mais prática, que não leva a autorreflexão nem ao autoconhecimento.
O nome da parte que não dorme, de Pedro Gonzaga
- Editora Ardotempo, 128 páginas, R$ 42,90, disponível em pedrogonzaga.com
- Lançamento terça-feira (1º), às 20h, no Instagram do Instituto Ling