“A vida, não sei se vocês sabem, não tem happy end”, alerta Millôr Fernandes (1923-2012) na orelha de Um Defeito de Cor, já dando pistas do que o leitor irá encontrar durante a leitura do épico sobre a saga de oito décadas de Kehinde, desde a chegada ao Brasil, ainda criança, em um navio negreiro. Publicado em 2006, virou referência na literatura afro-brasileira e transformou Ana Maria Gonçalves, um dos principais nomes desta edição da Feira do Livro, em uma voz potente dos negros em eventos literários do país. O encontro com a escritora nesta terça-feira (12), às 18h, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, terá a obra como fio condutor. Às 19h30min, na Praça da Alfândega, ela também tem sessão de autógrafos.
— Não esperava que o livro tivesse esta recepção. Mas, com o tempo, fui entendendo a conjuntura que leva a isso. A gente não tinha muitos romances com a temática de Um Defeito de Cor em uma grande editora. Era uma demanda do mercado, e eu tive sorte de publicá-lo no momento certo — afirma a autora de 49 anos.
A obra conta a história de uma menina capturada em Benin, na África Ocidental, aos oito anos. Suas quase mil páginas mostram a jornada de escravidão e liberdade de uma mulher negra do século 19 na Bahia, no Maranhão, no Rio de Janeiro e em São Paulo, o retorno à África e a tentativa de voltar ao Brasil.
— Embora o livro esteja localizado no século 19, o que a gente vê hoje no Brasil, principalmente na atual conjuntura política, é reflexo do período da escravidão — analisa a escritora, que cita como consequências da prática social violenta e desumana a desigualdade social, o racismo estrutural e as poucas oportunidades na sociedade para os negros, sobretudo para as mulheres.
Nesse cenário, e diante do sucesso de seu principal trabalho — Ana Maria é autora também do romance Ao Lado e à Margem do que Sentes por Mim (2002) e de peças de teatro —, a escritora diz se encontrar em um “espaço solitário”:
— Fico feliz com o reconhecimento, mas gostaria de ver muito mais pessoas comigo.
A gente tem muitas escritoras negras tratando da mesma temática, de outros problemas da sociedade, e que têm pouca visibilidade.
Entre elas, cita Eliana Alves Cruz e Cidinha da Silva — “duas escritoras contemporâneas que estão com um trabalho relevante e que deveriam ser muito mais conhecidas do que são” —, além de Maria Firmina dos Reis (1822-1917), considerada a primeira romancista brasileira, com Úrsula, e Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora do sucesso de vendas e de público Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.
O encontro com Ana Maria Gonçalves é uma iniciativa da Feira em conjunto com a Bienal do Mercosul, dentro do Projeto Educativo da Bienal 12, preparação para a mostra de arte na Capital de 16 de abril a 5 de julho de 2020.
A atividade, composta por debate e apresentação de trechos de Um Defeito de Cor, contará também com a participação da historiadora da arte e ativista Izis Abreu
e da professora e atriz Dedy Ricardo.
Conversas
Mais cedo, outras mesas vão discutir temas como feminismo, arte e cultura. A primeira começa às 10h no Centro Histórico-Cultural Santa Casa, com uma roda de conversa com Daniela Kern, Élle de Bernardini e Mitti Mendonça, abordando as relações entre os três temas. À tarde, às 14h, no mesmo local, haverá bate-papo entre Winnie Bueno, Joanna Burigo e Fernanda Bastos sobre feminismo e suas proposições. Para participar, é necessário inscreverse pelo site fundacaobienal.art.br.