Por Isatir Bottin Filho
Presidente da Câmara Rio-grandense do Livro (CRL)
Com suas estruturas físicas perfeitas, bem localizadas, preços tentadores e profissionalismo ímpar, é de se perguntar: como as grandes livrarias chegaram à atual crise, a ponto de algumas delas entrarem com pedido de recuperação judicial?
O que ocorre é que o livro é um produto diferenciado, que não dispõe de margem para propiciar maiores descontos em lojas de custo elevado.
A chamada cadeia do livro envolve desde o autor, passando por editora, distribuidora, livraria – até o consumidor. O preço é sempre sugerido pela editora, e este segue o mesmo na maioria das vezes. Porém, as grandes livrarias, em uma concorrência desleal para com as pequenas, praticam grandes descontos, baixando esses preços como uma “isca” para atrair clientes para suas lojas. Só que as vendas dos chamados best-sellers não necessitariam desses descontos. Geralmente os recursos obtidos com esses livros é que garantem, ou deveriam garantir, a sobrevivência do fundo de catálogo de uma editora, bem como o acervo de uma livraria.
Algumas décadas atrás, alemães e franceses tiveram sucesso resolvendo essa equação com medidas como a adoção da lei do preço fixo. Para fortalecer o mercado e proteger as editoras e livrarias dos grandes descontos praticados pelas empresas maiores, obrigaram toda a cadeia a cobrar o mesmo preço pelo mesmo livro, limitando os descontos a 10% até um ano após o lançamento (após esse período, a cobrança ficava livre).
A manutenção da cadeia produtiva do livro é muito importante para o comércio do livro físico. Alguns de seus elos podem inexistir, ou serem substituídos, porém, comprometem e dificultam o acesso ao livro na sua totalidade. A editora, que detém a expertise de editoração, trabalha com revisores, designers, diagramadores e produtores gráficos – subestimar essas funções inevitavelmente tem impacto na qualidade do produto. A distribuidora é responsável pelo abastecimento do varejo. Trata-se de um intermediário fundamental, pois minimiza os estoques desnecessários de uma livraria e concentra produtos de várias editoras em uma única empresa, reduzindo os custos de logística e armazenagem e otimizando essas operações. Já as livrarias trabalham com uma bibliodiversidade imensa. No Brasil, há inúmeras editoras, o que torna quase impossível que uma livraria atenda com pronta entrega toda a demanda. Somos um país com distâncias enormes entre pontos de produção e venda, o que faz a cadeia do livro, funcionando em sua plenitude, ainda mais necessária.
Basta pensar, por exemplo, que, se uma editora de um Estado localizado em um ponto extremo quiser colocar seu acervo no outro extremo do país, terá de acionar uma distribuidora – cujo custo influi diretamente na precificação final das operações.
Por isso se faz urgente proteger o mercado. Isso é fundamental para o futuro do livro no Brasil. E como fazer isso? O preço fixo talvez seja a melhor possibilidade no momento.
No passado recente, o lobby das grandes livrarias impediu o andamento de uma política como essa. O que precisamos, após essa turbulência atual, é entender o que aconteceu e, a partir daí, reconstruir o mercado com uma política pública sólida.
Há soluções alternativas, que incluem o preço e o tipo do papel, isenções fiscais e até financiamentos e aportes específicos, além de um crescente estimulo às campanhas de formação de leitores. Nesse contexto, a tendência é que aumentem as livrarias de nicho, que acabam por simplificar e otimizar o processo da cadeia do livro. Faz sentido que esse tipo de negócio também seja visto como um espaço social, com cursos, encontros e workshops, que incentivem a leitura e o consumo dos livros.
Não podemos ser pessimistas. Na China, em 2018, segundo dados da Associação do Livro daquele país, houve um acréscimo de 10 mil novas livrarias, totalizando 225 mil unidades espalhadas pelo seu território. Lá, o crescimento de livrarias físicas está acontecendo, e várias medidas governamentais colaboraram para isso. A Inglaterra também vive movimento semelhante, com o aumento das chamadas livrarias independentes.
Com base nesses exemplos, podemos reconstruir o mercado, reinventando-o sem perder de vista o nosso maior desafio, que é seguir formando leitores.