Por Carlos Alberto Gianotti
Professor de Física e editor. E-mail: catgianotti@gmail.com
Tem sido noticiado que duas grandes redes de livrarias nacionais “quebraram”, ou, como se diz em linguagem técnica, pediram recuperação judicial. Suas dívidas de milhões de reais, sublinhe-se, são impagáveis para quem comercializa livros. Especulam-se causas para essa debacle, sendo a mais mencionada as aquisições de livros, pelos clientes, por meio da internet: numa livraria virtual ou num site de editora podem-se adquirir livros, e os receber em casa em poucos dias. Com isso, leitores que eram frequentadores assíduos de livrarias aos poucos as abandonam. Livrarias físicas estão sofrendo com o abandono da clientela, sendo que muitas das pequenas, de calçada, já fecharam; outras, na tentativa de sobreviver, passaram a vender outros produtos, como bonecas de pelúcia, porta-retratos, bijuterias, guarda-chuvas.
Então, radicaria nas vendas online uma das causas do insucesso atual dessas duas grandes redes, e das dificuldades de demais livreiros. Diga-se, não só livrarias, mas varejistas de todos os segmentos sofrem com perdas de clientes que preferem a aquisição do que necessitam via internet. Sinal disso é que a Amazon detém hoje significativa fatia do comércio varejista mundial. Mas não é desse aspecto que pretendo tratar aqui, ao analisar sucintamente o caso da liquidação da Saraiva e da Cultura, mais precisamente dessa última.
A Saraiva, ou o que restará dela, pois fechará muitas lojas, não pode ser considerada uma livraria que tenha estoque de livros de alta cultura, mas particularmente best-sellers, títulos em autoajuda, CDs, brinquedos, material escolar, além de quinquilharias em periféricos na área da informática. Todavia, não é também a massa falida da Saraiva que trago aqui à consideração, mas o que desejo analisar é a bancarrota da outra rede, a Cultura, tida como modelo no comércio de livros mais refinados culturalmente.
Essa livraria, com proposta diferenciada da Saraiva (e mesmo da rede Leitura presente no Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste com cerca de 70 lojas), conservava em suas lojas de estética arquitetônica ambiental agradável um acervo dirigido às ditas elites culturais (composta talvez por menos de 1% dos brasileiros), comercializando livros de alta cultura – embora não desdenhe do best-seller e da autoajuda, sempre os carros-chefes de vendas–, DVDs, CDs com uma seção exclusiva de clássicos, revistaria de qualidade e, por que não dizer, para lazer e exibicionismo chique dos bem-pensantes que a frequentam, cafeteira. Chegaram a 16 lojas no país. Não é preciso pensar muito para se concluir que neste Brasil de não leitores, aquele número de lojas com acervo altamente selecionado é um descalabro, não teria como atingir, como não atingiu, sustentabilidade financeira num mercado pouco amigável para com o produto ali comercializado. Seria quase como manter em funcionamento em shoppings pelo Brasil afora, digamos, 16 lojas destinadas apenas à venda de equipamentos para prática de críquete.
Até se falou, no último Natal, em se presentear as pessoas com livros, um absurdo comportamental, quando se sabe que livros, como perfumes ou obras de arte, não se constituem objetos de presente, porque são de escolha muito pessoal. Similarmente, diante da perspectiva do fechamento da Livraria Cultura, surge, entre alguns intelectuais, um quase movimento pela leitura, pela compra de livros nas livrarias afetadas, como se isso fosse resolver o tremendo problema fiscal da empresa: sequer minora.
É consabido que os níveis de leitura dos brasileiros são minúsculos – acaso terá o leitor adquirido e lido, durante o ano que ora terminou, um livro por mês? – e a maioria dos que raramente o fazem lê obras de menor relevância cultural, as readers digest, os livros que dizem oferecer panaceias para o viver e condicionamentos para o “sucesso”. Ora, um país com esse perfil de leitores não pode manter essa quantidade de lojas, com custo elevado de manutenção, para o público alvo que é a minguada elite cultural. As 16 lojas da Livraria Cultura, ao cabo, constituíam-se mais em locais de passeio de fim de semana, de lazer glamouroso, com direito ao frescor do ar-condicionado e ao desfrute da cafeteria bacana, de levar os filhos pequenos para lhes mostrar como livros – que eles mesmos, os pais, não leem – são essenciais para o cultivo da cultura formativa da pessoa integral.