Quais os efeitos da crise das grandes livrarias do país para os pequenos e médios empreendedores? As opiniões de expositores da 64ª Feira do Livro de Porto Alegre ouvidos pela reportagem no domingo (4) são variadas: há desde quem esteja otimista com a possibilidade de ocupar o nicho de mercado até quem veja no baque das megastores o sinal de dificuldades no setor. Em comum, os pequenos e médios livreiros acreditam na perenidade de seus negócios, mesmo que para isso seja necessário realizar ajustes.
Nos últimos dias, o mercado editorial recebeu com preocupação a notícia de que a Livraria Cultura, com 15 lojas físicas em operação, entrou com pedido de recuperação judicial e que a Saraiva está fechando 20 lojas no país, permanecendo com 84 unidades. Ambas anunciaram planos de aumentar as apostas no comércio digital, ambiente em que competem com a gigante multinacional Amazon.
Enquanto isso, as pequenas e médias se preparam para as mudanças no mercado. Para João Claudio Cervo, sócio-proprietário da Livraria Cervo, com quatro lojas em Porto Alegre, a crise das grandes fará com que as pequenas e médias cresçam. Ele projeta que as vendas aumentarão "sensivelmente":
— Quando as megastores abriram, tivemos uma grande crise, com muitas lojas pequenas fechando ou com queda nas vendas. Agora, isso está se revertendo. Acredito que nos próximos anos o mercado livreiro será fortalecido através das pequenas livrarias. Estou otimista.
Essa recuperação, segundo ele, vai "demorar um pouco". Cervo acredita que, nos próximos 10 anos, haverá um aumento no número de livrarias e uma recuperação financeira das já existentes. Para ele, a Amazon não representa necessariamente uma ameaça aos negócios de bairro:
— A Amazon vai tirar 30% do mercado, como já tirou das grandes livrarias, mas os outros 60% ou 70% vamos ganhar na prestação de serviços. Claro que não temos condições de manter os preços deles. Sempre venderão mais barato do que nós. Mas ganhamos com outro ângulo: atendimento, confiança, credibilidade.
O atendimento personalizado é um diferencial também na avaliação de Gustavo Hickmann, gerente da Letras & Cia., que mantém uma loja na zona sul de Porto Alegre e outra em Novo Hamburgo. Ele percebe um movimento pelo consumo local, que valoriza os pequenos empreendimentos:
— Atendimento diferenciado é conhecer o produto, ter esse cara a cara com o cliente e chamá-lo pelo nome. O consumidor de livros é muito informado, sabe do que gosta, o que quer e onde procurar. Quando ele vai na livraria é porque deseja esse contato físico, essa troca de experiências.
Hickmann é cauteloso quanto ao efeito da crise das grandes livrarias. Observa que é preciso estar atento às mudanças. Mas vê, por outro lado, uma oportunidade:
— Fechando uma livraria que é minha vizinha, provavelmente aquele consumidor vai ficar desassistido e vai visitar outras livrarias.
Vitor Zandomeneghi, sócio-gerente da Banca do Livro, que administra uma livraria no Campus do Vale da UFRGS e outra no Margs, não vê "nenhuma grande vantagem" para as pequenas livrarias no horizonte. Relata que os últimos quatro anos foram de queda nas vendas. Mas o empreendedor acredita na constância de um mercado para quem trabalha com boa literatura:
— Como as livrarias conseguiram sobreviver nos Estados Unidos, que é um grande mercado consumidor, acreditamos que no Brasil também poderão. Hoje somos um mercado de resistência. Continuamos tendo esse perfil, com bons livros que atendem nosso público fiel.
Sem deixar de lado os best-sellers, Zandomeneghi procura valorizar os "long-sellers", ou seja, títulos de alta qualidade que vendem apenas um ou dois exemplares por ano. A palavra de ordem é "bibliodiversidade". Afirma que a operação está saudável, mas para isso precisou reduzir de sete para três o número de funcionários, somando-se as duas unidades.
— Quando pensamos em preços predatórios (valores promocionais praticados nos grandes sites), temos de imaginar que quem vai pagar a conta é o final da corrente. A primeira coisa que o pequeno empreendedor vai ter de cortar é o número de colaboradores. Então, a política do dumping, ou do preço predatório, acaba gerando desemprego — explica.