Visceral, dinâmico, passional... Difícil descrever sem adjetivos o duelo de poemas que tomou conta da 64º Feira do Livro de Porto Alegre na noite deste sábado (3), no campeonato de poesia falada Slam Conexões — Resistência e Poesia que Arrastam Multidões. Realizada ao anoitecer no Teatro Carlos Urbim, a competição deu a cada participante escassos três minutos para fazer sua performance — uma poesia de autoria própria, sem acompanhamento musical, sem regras ou métrica.
Valia improviso, mas de improvisação teve pouco. Quem participou sabia muito bem o que falar, porque ali estava, como chegou até ali... E todos tinham em comum relatos de violência sofrida, perseguições decorrentes da cor da pele, narrativas do racismo nosso de cada dia e que não ousa dizer seu nome.
Campeão do ano passado, Bart Vieira emocionou ao descrever o descompasso entre as vidas de negros e brancos num país que não se assume racista.
— Corre, preto, que tens de ser cem vezes melhor para ter um lugar ao sol — descreveu, imitando um policial.
Ele mesmo retrucou, com a voz da vítima, que mora na periferia de uma grande cidade brasileira:
— Calma, senhor, sou só poeta, não sou ladrão.
A resposta, num falsete do próprio Bart, vem em tom irônico:
— Mas isso não te impede de ser algemado...
Dos oito competidores, seis eram mulheres. Natália, Bia, Cristal Rocha, Julia Lourenço... As pretas cantavam, antes da entrada de cada uma no palco.
E que versos..
— Nos tiraram da terra, nos arrancaram à força/e na nova construção não fizemos as leis/ não tivemos vez. Um passado sanguinário/ que mesmo agora é tão presente — descreve uma das letras aplaudidas em pé.
Um corpo de seis jurados dava notas para cada interpretação.
Outra poesia abordou o assassinato do ano no Brasil, o da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL):
— Morri ontem/ Morri hoje/ Morri com Marielle/ Para ti foi só uma notícia/ Para mim, não/ Eu não aguento mais — descreveu Julia Lourenço, no poema campeão da noite.
A vencedora foi contemplada com livros de poesia e camisetas.
A nota triste da noite é que o campeonato foi interrompido por alguns minutos quando um sujeito - branco, forte e de cabelo escovinha - levantou da plateia e gritou.
— Vão se f... Bolsonaro, 17!
O homem, de mão dada com uma criança, saiu do teatro abaixo de vaias.