Morreu nesta quinta-feira (6) o diretor teatral e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, conhecido como Zé Celso, aos 86 anos. De acordo com informações do jornal O Globo, o estado de saúde do dramaturgo se agravou na quarta (5), quando ele começou a apresentar um quadro de insuficiência renal.
Referência no teatro e ícone da cultura nacional, o veterano estava internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, após um incêndio atingir seu apartamento, na zona sul da cidade. Conforme testemunhas, o fogo teria começado na madrugada da terça-feira (4) por conta de um problema no aquecedor do imóvel. Amigos que acompanharam Zé Celso até a instituição de saúde relataram que ele sofreu "muitas queimaduras" e foi entubado logo que a ambulância chegou ao apartamento.
O marido de Zé Celso, o ator Marcelo Drummond, 60 anos, também foi internado e esteve em observação. Os dois moram no mesmo prédio, mas em apartamentos diferentes.
O artista será velado no Teatro Oficina, fundado por ele em 1958. O horário e os detalhes da cerimônia ainda não foram definidos. Segundo a Folha de S.Paulo, atores da companhia se reuniram dentro do teatro e outras pessoas foram ao local para prestar homenagem ao dramaturgo.
Origem
Filho de José Borges Correia e Angela Martinez Carrera, José Celso nasceu no interior de São Paulo. Em entrevista ao Conversa com Bial, com Pedro Bial, em 2021, ele recordou que o pai era interessado por cultura, gostava de cinema e montou uma biblioteca em casa. O patriarca comprava livros direto de Monteiro Lobato, além de cultivar clássicos, alguns que Zé Celso viria a levar aos palcos, como Fausto, do dramaturgo inglês Christopher Marlowe (1564-1593).
Carreira
Apesar de ter cursado a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, não exerceu a profissão e não concluiu o curso. Nessa época, em que não sabia o que faria, Zé Celso escreveu sua primeira peça em 40 minutos. Inspirado pela brincadeira de empinar papagaio, criou Vento Forte para Papagaio Subir, em 1958, e, na sequência, A Incubadeira, em 1959.
Foi nessa época que surgiu o grande projeto de Zé Celso, o Teatro Oficina, sua maior obra e templo das artes cênicas brasileiras, localizado no Bixiga, no coração de São Paulo. Foram mais de 60 anos à frente do projeto que é referência nacional.
A parceria com o diretor Amir Haddad veio na sequência, quando o Oficina produziu as duas peças. O ano de 1961 é marcante, quando o Oficina inaugura sua fase profissional, com uma casa de espetáculos alugada na Rua Jaceguai.
Não demorou para que o escritor passasse a dirigir os espetáculos. A primeira experiência foi com A Vida Impressa em Dólar, de Clifford Odetts, que abre a programação da nova estadia. O reconhecimento como diretor veio em seguida, com o prêmio de revelação de diretor pela Associação Paulista de Críticos de Teatro. Em 1962, depois da montagem de Todo Anjo É Terrível, o grupo encena Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, que rende a Zé Celso outros prêmios de melhor direção do ano.
O Teatro Oficina é considerado, também, pilar do Tropicalismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil e, ao longo das décadas, montagens icônicas foram estreladas por grandes artistas brasileiros, como Dina Sfat, Othon Bastos, José Wilker, Sérgio Mamberti e Fernanda Montenegro. Depois de dois anos fechado em razão da pandemia de coronavírus, o Oficina retornou com Paranoia, em que Marcelo Drummond, marido de José Celso, interpreta poemas de Roberto Piva.
Referências
Zé Celso citava alguns artistas como grandes referências, como Eugênio Kusnet, ator e conhecedor profundo do Método Stanislavski, que colaborou na preparação de atores em algumas montagens; Madame Morineau, atriz francesa naturalizada brasileira; e Fernanda Montenegro.
Além de homenagear, Zé Celso também teve seu legado reconhecido. Uma das celebrações a sua vida e obra é o documentário Máquina do Desenho, de 2021, dirigido por Joaquim Castro e Lucas Weglinski.
Zé Celso e a Ditadura Militar
Outro incêndio marcou a carreira de Zé Celso. Na manhã de 31 de maio de 1966, um curto-circuito no teto fez com que o Teatro Oficina pegasse fogo, destruindo o prédio. No dia seguinte, mais de 80 artistas se reuniram com o objetivo de arrecadar dinheiro para reerguer o espaço, que já incomodava nos primeiros anos da ditadura militar.
O Teatro Oficina foi reaberto em 1967 e viveu uma grande fase de produção. A estreia foi com a montagem de O Rei da Vela, dirigida por Zé Celso, considerada um marco para o teatro, para o modernismo e para o tropicalismo. No palco, crítica política e quebra de padrões estéticos.
Em 1974, Zé Celso foi preso e torturado pela Ditatura Militar. Ele ficou 20 dias na cadeia e, depois de liberado, foi exilado em Portugal, onde dirigiu um documentário sobre a Revolução dos Cravos e a Independência do Moçambique. O retorno ao Brasil ocorreu em 1978.
Em 2010, o dramaturgo foi anistiado pelo Ministério da Justiça, recebeu uma indenização e passou a receber pensão vitalícia do Estado, como forma de reparação dos danos sofridos.
Em Porto Alegre
Em outubro de 2018, Zé Celso esteve em Porto Alegre, para apresentar uma nova montagem de O Rei da Vela, originalmente exibida em 1967. O retorno após 10 anos sem se apresentar na Capital foi às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2018, disputada entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL, atual União Brasil), que se saiu como o vencedor. Após as apresentações do espetáculo, o diretor declarou a GZH:
— Foi maravilhoso o pessoal comungando, com muita atenção e muito vibrante. Aliás, eu já tinha ficado apaixonado pelo que vi das manifestações que foram feitas aqui contra o fascismo. Achei forte, muito bom. Pode ser uma minoria, mas é uma minoria poderosa.
Parceria e reencontro com atriz gaúcha
A atriz Leona Cavalli, nascida em Rosário do Sul, fez sua estreia profissional, em 1993, dirigida por Zé Celso, na montagem de Ham-Let, versão antropofágica da tragédia de Shakespeare.
Zé Celso rompeu com Leona porque os dois buscavam caminhos artísticos e pessoais divergentes. O reencontro ocorreu 20 anos depois, em Fausto, em 2022, em que a atriz interpretou Mefistófeles.
Na época, Leona reconheceu que o tempo fez bem aos dois. "A gente amadureceu, e o Zé tem uma delicadeza, um olhar único para o ator, que conserva aquela revolta em cena, mas sem perder a ternura", comentou.