Vai ser difícil circular pela cidade sem dar ao menos uma paradinha para acompanhar algum dos quase 20 espetáculos teatrais que tomarão conta das ruas de Porto Alegre nos próximos dias. Evento que marcou época na cena cultural da cidade nos anos 1990, a Mostra de Teatro de Rua está de volta para a sua edição de número 12, passados 20 anos desde a última realização. As atividades, todas gratuitas, iniciam-se neste domingo (11) e vão até o dia 18 de dezembro.
Retomar a Mostra era um desejo antigo de artistas e coletivos ligados ao teatro de rua da cidade. Desde a criação, em 1991, o evento vem sendo fruto de luta dos grupos teatrais. Seguiu assim nesta 12ª edição. É o que contam os artistas Tânia Farias, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, e Hamilton Leite, da Oigalê — Cooperativa de Artistas Teatrais. Os dois participaram da criação da Mostra e integram a coordenação desta edição ao lado de Jessé Oliveira.
— No momento em que se deu essa reunião dos coletivos de teatro de rua, Porto Alegre se tornou um exemplo para o Brasil. Existem mostras em outras cidades que foram inspiradas no trabalho feito aqui. Foi um momento de muita potência — lembra Tânia.
— Porto Alegre virou uma referência em se tratando de teatro de rua. A retomada também vem para que a cidade volte a ser uma referência para o Brasil e para a América Latina — completa Hamilton.
O hiato de 20 anos até a retomada da Mostra, para ele, é consequência de um velho estigma que paira sobre o teatro de rua, por vezes considerado uma arte "menor", o que pode ter acarretado a falta de interesse do poder público em priorizar o evento no calendário cultural da cidade ao longo das últimas duas décadas. Os coletivos teatrais nunca desistiram de voltar a ocupar as ruas sob esse pretexto, mas esbarraram até então na dita "falta de recursos".
— Para muitas pessoas, o teatro de rua é um fazer teatral menor. Nós não acreditamos nisso. Não precisamos de sala para atingir a população, atingimos a todos independentemente da classe social e do lugar. Esta é a diferença. Por mais que haja um espetáculo de graça no Theatro São Pedro, por exemplo, grande parte das pessoas não irá, porque é um local já marcado como pertencente a um determinado estrato social. Mas quando tu fazes um espetáculo na rua, todas as pessoas se sentem convidadas a participar — reflete Hamilton.
A edição que marca o retorno do evento é viabilizada por um conjunto de emendas parlamentares propostas pelos vereadores Daiana Santos, Leonel Radde, Karen Santos, Matheus Gomes, Pedro Ruas e Roberto Robaina a partir do apelo dos coletivos teatrais. Para Jessé Oliveira, um dos fundadores do grupo de teatro negro Caixa-Preta e coordenador de Artes Cênicas da Secretaria de Cultura e Economia Criativa de Porto Alegre, é fundamental que esse tipo de recurso seja destinado à cultura.
— Seria interessante que cada vez mais parlamentares tivessem essa sensibilidade. Recurso indo para a cultura é sempre um investimento no pensamento humano — diz.
Com a verba garantida, coube ao trio de coordenadores e à comissão de curadoria da Mostra, formada por Breno Ketzer, Maira Coelho, Marcelo de Paula e Michele Rolim, pensar a programação que circulará pelas ruas da cidade durante os oito dias do evento. Serão 19 espetáculos no total, apresentados pelos grupos Coletivo Teatro da Crueldade, De Pernas pro Ar, Levanta Favela, Oigalê, Ói Nóis Aqui Traveiz, Ritornelo, TIA e Usina do Trabalho do Ator, além da atriz amazonense Raquel Kubeo e do ator e diretor Cacá Sena.
Os grupos e artistas apresentarão seus trabalhos na região central — com destaque para a Praça da Alfândega, que receberá oito espetáculos —, mas não somente nela. Bairros como Bom Jesus, Lomba do Pinheiro, Humaitá e Restinga, na periferia da cidade, também receberão espetáculos. É uma característica que acompanha a Mostra de Teatro de Rua desde a sua gênese, conforme Tânia:
— O nosso entendimento sempre foi de que ela deve sim acontecer nos parques centrais, mas principalmente na periferia da cidade. É um trabalho que quer descentralizar o acesso ao teatro e garantir que a cidade se relacione com essa arte de uma forma mais democrática.
Para Jessé Oliveira, que também tem trajetória no teatro de rua, ir ao encontro da população fora dos circuitos hegemônicos é algo intrínseco ao próprio fazer artístico da modalidade teatral.
— Os espetáculos de teatro de rua sempre tiveram conexão com a periferia, a gente nem consegue pensar um projeto vinculado ao teatro de rua sem pensar nessa interface — diz ele, salientando que se refere à periferia somente no sentido geográfico. — Culturalmente, essas regiões são o centro da cidade.
Além dos espetáculos, a programação também inclui, no dia 16, às 17h, na Praça da Alfândega, uma roda de conversa sobre teatro de rua e arte pública com Tânia Farias (RS), Marcelo Palmares (SP) e Lindolfo Amaral (SE). Entre os dias 13 e 15, das 9h às 12h, no Centro Municipal de Cultura, Arte e Lazer Lupicínio Rodrigues (Av. Erico Verissimo, 307), a Mostra promove ainda uma vivência artística com Zé da Terreira, do Ói Nóis Aqui Traveiz, figura emblemática para o movimento de teatro de rua a nível nacional. Para a formação, é necessário realizar inscrição via formulário online. A atividade é gratuita.
Para os organizadores, a conquista de conseguir retomar a Mostra de Teatro de Rua, e com uma programação robusta, é motivo de orgulho e de celebração. E há ainda uma razão a mais para celebrar: a 13ª edição, prevista para o ano que vem, já tem recursos garantidos para ocorrer, oriundos de emenda parlamentar proposta pela deputada federal Fernanda Melchionna. Na visão de Tânia Farias, é um sinal de que tempos melhores virão para o teatro de rua, para a cultura e para as pessoas.
— Retomar a mostra justamente nesse momento, depois de uma pandemia que nos afastou do espaço público, tem a simbologia de voltar a ocupar as ruas e voltar a ocupá-las com arte. É também o momento em que celebramos a vitória da democracia. Depois de quatro anos sendo perseguidos como criminosos, tratados como inimigos do Estado, a gente (classe artística) sente que pode reconstruir tudo o que destruíram em termos de política pública para a cultura.
Espetáculos da 12ª Mostra de Teatro de Rua:
Neste domingo (11)
- O Amargo Santo da Purificação, com a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz Horário: 17h
Onde: Orla do Guaíba - Deus e o Diabo em Terra de Miséria, com a Oigalê - Cooperativa de Artistas Teatrais
Horário: 17h
Onde: Parque Germânia
Segunda-feira (12)
- Histórias de Circo Sem Lona, com o grupo TIA
Horário: 11h
Onde: Parque Marechal Mascarenhas de Moraes, no Humaitá - O Lançador de Foguetes, com o grupo De Pernas pro Ar
Horário: 17h
Onde: Praça da Alfândega
Terça-feira (13)
- Circo Rapadura, com Cacá Sena
Horário: 11h
Onde: Praça da Alfândega - Histórias de Circo Sem Lona, com o grupo TIA
Horário: 17h
Onde: Praça da Alfândega
Quarta-feira (14)
- O Lançador de Foguetes, com o grupo De Pernas pro Ar
Horário: 11h
Onde: Esplanada da Restinga - Eu Não Sou Macaco, com Usina do Trabalho do Ator (UTA)
Horário: 17h
Onde: Praça da Alfândega
Quinta-feira (15)
- Sob o Véu de Ísis, com o Coletivo Teatro da Crueldade
Horário: 11h
Onde: Praça da Alfândega - Maria, Suas Filhas e Seus Filhos, com o grupo Levanta Favela
Horário: 17h
Onde: Praça da Alfândega
Sexta-feira (16)
- Faixa de Graça, com o grupo Ritornelo
Horário: 11h
Onde: Praça da Alfândega - Tocar a Terra, com Raquel Kubeo
Horário: 16h
Onde: Praça da Alfândega
Sábado (17)
- Tocar a Terra, com Raquel Kubeo
Horário: 11h
Onde: Rua do Lazer (Rua B), na vila Bom Jesus - Sob o Véu de Ísis, com o Coletivo Teatro da Crueldade
Horário: 17h
Onde: Parque Marechal Mascarenhas de Moraes, no Humaitá - Circo Rapadura, com Cacá Sena
Horário: 17h
Onde: Praça do CEU da Restinga Velha (Rua Dr. Arno Horn, 221)
Domingo (18 de dezembro)
- Faixa de Graça, com o grupo Ritornelo
Horário: 16h
Onde: Parque Germânia - Eu Não Sou Macaco, com a Usina do Trabalho do Ator (UTA)
Horário: 17h
Onde: Praça do CEU da Lomba do Pinheiro (Rua Porto Alegre, 5.450) - Deus e o Diabo em Terra de Miséria, com a Oigalê - Cooperativa de Artistas Teatrais
Horário: 17h
Onde: Brique da Redenção - Maria, Suas Filhas e Seus Filhos, com o grupo Levanta Favela
Horário: 17h
Onde: Esplanada da Restinga