Qual é o melhor filme de todos os tempos? Depende de quando a eleição é feita, até mais do que de quem está elegendo. É o que se depreende da lista divulgada no último dia 1º pelo British Film Institute.
Trata-se do ranking mais referenciado quando se fala em maior filme já feito. É divulgado a cada 10 anos desde 1952, a partir de uma compilação de votos de 1,6 mil cineastas, críticos e pesquisadores. O clássico neorrealista italiano Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio De Sica, ficou à frente na primeira vez, mas, de 1962 a 2002, só deu Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, resultado invariavelmente repetido pelo American Film Institute, que posteriormente e com periodicidade menos rígida passou a divulgar listas semelhantes.
Em 2012, uma mudança: Alfred Hitchcock, que antes era o segundo colocado, pulou para o topo, com Um Corpo que Cai (1958). Foi uma mudança não muito significativa, é verdade, afinal, as obras de Welles e Hitchcock são marcos iniciais do processo de modernização da linguagem do cinema que se consolidaria com os movimentos europeus do pós-Segunda Guerra Mundial – o neorrealismo de Ladrões de Bicicleta sobretudo. Welles, Hitchcock e os filmes italianos dos anos 1950 (e um pouco antes) conformam um conjunto que descreve o principal ponto de mudança no desenvolvimento da linguagem cinematográfica.
Mas e Jeanne Dielman (1975), que pulou da 35ª posição em 2012 para um surpreendente 1º lugar em 2022?
Esse longa-metragem franco-belga da diretora Chantal Akerman acompanha a rotina enfadonha de uma mulher da classe média (Delphine Seyrig) que se prostitui para manter a vida burguesa.
São mais de três horas de planos longos e silêncios a sublinhar seu vazio existencial, como que transpondo para os ambientes internos e solitários as reflexões que Michelangelo Antonioni realizou associando esse enfado às relações sociais e aos espaços das cidades, por exemplo, em sua Trilogia da Incomunicabilidade (1960-62).
Essa radicalização reverbera de modo muito marcante no cinema contemporâneo, seja pela supressão dos cortes e pela extensão do tempo fílmico a partir do alongamento dos planos, seja pelo naturalismo fotográfico e dos cenários.
Se parte significativa da produção cinematográfica mais recente radicaliza opções formais dos filmes europeus pós-Segunda Guerra, soa de fato mais coerente associar essa produção a Jeanne Dielman do que a De Sica (ou Rossellini, ou Visconti). Porém, passado este momento de tendências realistas mais extremas, o que talvez vá ficar seja a revolução inicial – e aí voltaremos a Hitchcock e Cidadão Kane?
Também não se pode ignorar que Chantal Akerman põe na tela, devidamente potencializados pela forma do filme, ideais feministas para os quais a sociedade se mostra cada vez mais atenta. Mas, ainda que a igualdade e a reparação por tantos anos de esmagamento de minorias sejam princípios que tenham vindo para ficar, será suficiente para manter Jeanne Dielman como uma referência tão destacada assim?
São questões que ficam, em um ranking que, perdoem o clichê, trouxe mais perguntas do que respostas. O certo é que Jeanne Dielman é um reflexo de valores cultuados atualmente, no cinema e fora dele. Como toda tentativa de entender o que já foi feito no passado, a nova lista British Film Institute diz mais sobre o tempo presente. Ressignifica os filmes de ontem a partir de crenças de hoje.
Os 10 mais votados
- “Jeanne Dielman” (1975), de Chantal Akerman
- “Um Corpo que Cai” (1958), de Alfred Hitchcock
- “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles
- “Era uma Vez em Tóquio” (1953), de Yasujiro Ozu
- “Amor à Flor da Pele” (2000), de Wong Kar Wai
- “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick
- “Bom Trabalho” (1998), de Claire Denis
- “Cidade dos Sonhos” (2001), de David Lynch
- “Um Homem com uma Câmera” (1929), de Dziga Vertov
- “Cantando na Chuva” (1951), de Gene Kelly e Stanley Donen