— São 40 anos de guerra — brinca o administrador e curador do Museu do Trabalho, Hugo Gusmão, 60 anos, sobre as quatro décadas do espaço, completadas nesta quarta-feira (7).
Instalado em galpões da Superintendência de Portos e Hidrovias, no começo da Rua dos Andradas, no centro de Porto Alegre, o Museu do Trabalho sobrevive de maneira independente, conta Gusmão. O administrador do espaço acrescenta que "volta e meia" diz que vai fechar as portas do local, pela dificuldade de manter a instituição e também pelo cansaço — o curador está à frente do museu desde 1987, com as histórias de ambos se fundindo com o tempo.
— Mas não adianta, todo ano estou aqui de novo. Estou aqui há 35 anos, mais da metade da minha vida — salienta, recordando que acabou embarcando no museu sem grandes pretensões, começando como um "mandalete", um auxiliar para a criação de um álbum de gravuras, e foi ficando, até se tornar o administrador do espaço.
Inaugurado em 7 de dezembro de 1982, o Museu do Trabalho teve como um dos seus idealizadores o sociólogo Marcos Flávio Soares, que tinha como ideia instalar um centro cultural voltado para as diferentes formas de manifestação artística, com ênfase no resgate da história do trabalho, na Usina no Gasômetro. Porém, desencontros de interesses, na época, impossibilitaram o movimento.
Assim, o museu foi parar, até então provisoriamente, nos galpões meio largados às traças da Rua dos Andradas. Ali, acabou ficando e se tornou um espaço que enaltece a cultura e serve como ponte entre jovens e veteranos artistas visuais, além de contar com um teatro, administrado pela Cia. Ronald Radde, e uma sala de dança, em parceria com a companhia de Carlota Albuquerque, abrangendo também as artes cênicas.
— Quando comecei, não tínhamos dinheiro nem para pagar a conta de luz. Fazíamos rateio, eu fazia vale com a minha namorada para conseguir deixar as contas em dia. Com o tempo, o pessoal foi pegando confiança e reconhecendo o Museu do Trabalho, que virou referência de um espaço alternativo. E estamos aqui há 40 anos — recorda Gusmão.
Independente
O Museu do Trabalho, em suas quatro décadas de história, já abrigou cerca de 270 exposições, abrangendo desde artistas locais e passando por nomes nacionais — até mesmo talentos internacionais apresentaram suas obras no espaço. E tudo isso, relembra Gusmão, de maneira independente, sem verba pública injetada na instituição.
— Temos que criar a grana aqui para pagar as contas do mês, para conseguir patrocinar as exposições, porque não gosto de trabalhar com esses editais públicos. Me incomoda muito ver a bandeirinha dizendo "pátria amada Brasil" nas coisas do museu. Prefiro a coisa limpa, alternativa — aponta Gusmão, destacando que a principal fonte de renda da instituição é o Consórcio de Gravuras, em que um grupo de pessoas paga uma assinatura e recebe obras produzidas no museu como recompensa.
Gusmão idealiza um Museu do Trabalho mais forte no futuro e, para isso, espera conseguir da Superintendência de Portos e Hidrovias o termo de cessão de uso dos galpões — até hoje, o espaço é cedido por meio de comodato "de boca". É necessário, de acordo com o administrador, um documento como garantia para que se possa buscar uma grande reforma em editais.
— É muito trabalhoso cuidar desse galpão aqui. Cada tormenta que vem levanta telha, surge uma goteira nova, tem sempre um problema. Temos que fazer manutenção quase diária, subir no telhado a cada 15 dias para limpar as calhas, porque senão transborda água para dentro do teatro, para dentro da sala de dança — enfatiza.
E, apesar das dificuldades, Gusmão aponta que 2022 foi um "bom ano" e conseguiu manter as contas pagas. Além do Consórcio de Gravuras, ainda há as mensalidades do teatro, os cursos pagos pelos alunos, parcerias com artistas e outras instituições, além de doações de obras de arte para o museu, usadas para fazer dinheiro. Com isso, ainda deu para executar o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) e reformar parte da estrutura dos galpões, que possuem quase cem anos.
— Sempre brinco que o Museu do Trabalho é o primo pobre dos museus — diz Gusmão, aos risos. — Mas estamos bem, com a agenda cheia até 2024. Somos muito procurados e agora pintamos o museu, tudo com dinheiro nosso. Está todo bonitinho, cuidadinho.
Exposição
Em comemoração aos 40 anos do Museu do Trabalho, André Severo abre, nesta quinta-feira (8), a partir das 13h30min, a exposição Fachada/Cinema, que segue até 22 de janeiro de 2023. A mostra conta com duas instalações produzidas especialmente para a data.
O artista, que é frequentador do espaço desde os anos 1990, busca com as suas obras criar um momento de reflexão não somente sobre sua produção nos últimos 25 anos mas também sobre as transformações que ocorreram no próprio museu ao longo de quatro décadas.
A primeira instalação apresentada por Severo, Fachada, é a remontagem de uma das obras produzidas entre os anos 1997 e 2000. Nas instalações, todas de grandes dimensões, ele se apropriava de materiais descartados e recriava — em ambientes fechados de galerias e de museus — fachadas arruinadas, muros, portas e portões, propondo uma experiência de observação e descontextualização do espaço urbano. A obra que será apresentada no Museu do Trabalho é uma fachada de 3,5 m de altura por 6,4 m de largura.
Já Cinema é uma videoinstalação que ocupa todo o espaço da maior sala expositiva do Museu do Trabalho. Produzida no contexto de uma trilogia de exposições realizadas por Severo entre os anos de 2015 e 2021, a obra é composta por dois filmes e uma série de objetos que recriam o ambiente de um cinema em ruínas, em um registro dos trabalhos poéticos que o artista vem realizando nas últimas duas décadas através, principalmente, de experiências audiovisuais, textuais, fotográficas e curatoriais.
— Acho esse museu essencial no contexto da cidade, do Estado, porque tem uma função que hoje é muito específica: é quase como a porta de entrada para as novas gerações. Só que como o museu já tem essa longa trajetória, acaba sendo uma ponte entre as gerações — explica Severo.
E, segundo o artista escolhido para fechar o ano expositivo do Museu do Trabalho e celebrar as quatro décadas de história do local, o espaço físico faz toda a diferença, para que as obras sejam apreciadas em suas totalidades e, principalmente, abrindo diálogos na sociedade.
— Muitos trabalhos são pensados para uma troca em um ambiente físico, que não é traduzível. E não se consegue ter a mesma experiência virtualmente. Então, acho que o museu traz muito isso, essa dimensão física para se comunicar com o espectador das obras. E acho isso bem especial — finaliza Severo.
"Fachada/Cinema", de André Severo
- Abertura nesta quinta-feira (8), às 13h30min, no Museu do Trabalho (Rua dos Andradas, 230), no Centro Histórico, em Porto Alegre.
- Visitação de terça a sábado, das 13h30min às 18h30min, e domingos e feriados, das 14h às 18h30min. Até 22 de janeiro de 2023.
- Entrada gratuita.