"Viver é melhor que sonhar", cantou Belchior, mas é bem verdade que somente sonhar por vezes pode ser mais fácil. Ao menos é assim para o protagonista de A Chave, novo espetáculo da Zbura – Campeões do Mundo da Patinação, companhia criada pelo gaúcho Marcel Stürmer, 37 anos, tetracampeão panamericano de patinação e medalhista de ouro nos Jogos Mundiais. O espetáculo será apresentado nesta quinta-feira (20), às 21h, no Teatro do Sesi, em Porto Alegre (veja informações sobre ingressos ao final do texto).
A Chave conta a história de uma pessoa que só consegue realizar seus objetivos enquanto dorme. Acordada, é como se estivesse dentro de gaiolas invisíveis, cujas grades são formadas por pensamentos, crenças e comportamentos que a impedem de chegar aonde deseja, até que ela vai deixando de acreditar que um dia será possível.
Mais do que um show de patinação, A Chave é um convite à reflexão, conforme Stürmer. Para o patinador, que assina roteiro e direção artística, todo mundo já teve ou tem uma gaiola envolvendo algum aspecto da sua vida. Ele também.
— Existem gaiolas em que o mundo te coloca e que tu tens a escolha de entrar ou não. Mas tu só terás essa escolha se conseguires identificá-las. Eu identifiquei muito cedo a gaiola do preconceito, por eu ser homem e patinar. Só que, ao identificar esse aprisionamento, eu decidi transformá-lo no meu voo. Eu treinava muito mais, porque isso me despertava uma vontade muito grande de vencer — lembra o atleta.
Com o espetáculo, ele pretende criar uma oportunidade para que cada presente na plateia reflita sobre quais são as gaiolas que o aprisionam e descubra as chaves capazes de abri-las. Contudo, Stürmer não espera que todo o público sinta-se tocado pela proposta do show, pois entende que nem todas as pessoas estão preparadas para alçar voo.
— O voo só acontece no vazio, pois tu tens que pular no vazio para tentar voar pela primeira vez, como um passarinho faz. Só que, pelo medo desse vazio, pela falta de certeza que ele traz, às vezes a gente troca o voo pelas gaiolas. O show quer trazer luz justamente para isso: esses aprisionamentos, essas gaiolas, mas também as suas possíveis chaves. Cabe a cada pessoa descobrir qual chave abre a sua tranca — afirma.
Para traduzir ao público esta mensagem, um time renomado de patinadores subirá ao palco do Teatro do Sesi ao som da trilha sonora e do texto narrado pela voz gravada da atriz Luana Piovani. Além de Stürmer, participa de A Chave um corpo de patinadores que conta com grandes nomes do esporte em nível mundial: os italianos Lorenzo Neri e Silvia Lambruschi, a brasileira Gabriela Girado e a portuguesa Madalena Costa, de 14 anos recém completados, que acaba de conquistar a Copa do Mundo de Patinação Artística de 2022.
O espetáculo conta com números em grupo e apresentações solo de Marcel e dos quatro demais campeões. Conforme o gaúcho, não se trata de um show de patinação tecnicamente fácil, pois, entre outras coisas, todos os atletas farão saltos triplos. O fato de contar com patinadores de diferentes partes do globo no elenco também trouxe alguma dificuldade, mas o grupo conseguiu dar um jeito de burlar a distância física.
— A parte dos solos foi tranquila, porque eles montaram em casa, com seus coreógrafos. Gosto muito disso, porque faz com que eles tragam para a apresentação as características que fizeram deles campeões. Já as sequências em grupo foram montadas com alguns meses de antecedência, aqui em Porto Alegre. A gente ensaiou com atletas substitutos no lugar desses atletas que vêm de fora. Enquanto isso, eles receberam um vídeo, aprenderam em casa e há cerca de uma semana a gente começou a ensaiar para unir tudo isso — conta.
Paixão pela arte
Quem vê o patinador gaúcho falando com tanta propriedade sobre os bastidores pode até pensar que ele atua no ramo do showbusiness desde sempre. No entanto, foi em 2018, quando fundou a companhia Zbura, que Stürmer entrou de cabeça no mundo da arte, após aposentar-se das competições — sua última foi o Pan de Toronto, em 2015.
Já era um desejo antigo. Stürmer conta que desde criança tinha fascínio pelo universo artístico e teatral, algo que não mudou nem mesmo quando se tornou um atleta de alto rendimento. Se tinha uma apresentação em determinado local, ele lembra, chegava horas antes para observar a montagem da estrutura, conversar com os profissionais da área técnica e aprender um pouco sobre todo o universo que existe por trás daquilo que o público vê em cena.
Tudo isso contribuiu para que, após a aposentadoria das competições, ele tirasse do papel o sonho antigo de criar uma companhia de patinação artística onde pudesse exercitar sua veia criativa.
— Criei a companhia justamente porque queria contar histórias, não somente me apresentar de patins. Não queria subir no palco e sentir um: "Ah, patinei". Queria escrever roteiro e queria poder criar o meu mundo particular, onde eu pudesse me arriscar a fazer tudo o que eu sempre quis fazer — diz o patinador. — Quando decidi que queria fazer espetáculos, procurei aprender o máximo possível. E não tive medo de me arriscar —pondera.
Atualmente, a companhia realiza um grande espetáculo anual, sempre com concepção e direção do gaúcho. No ano passado, por exemplo, o show foi Vagalumes. A montagem que reflete sobre o período de isolamento social será reapresentada gratuitamente no Teatro do Sesi nesta quarta-feira (19), às 21h, com plateia formada por um grupo de crianças e transmissão ao vivo no Instagram da companhia Zbura.
Marcel Stürmer, que começou na patinação após assistir a um espetáculo — aos moldes dos que agora apresenta —, acredita que esta é uma forma de incentivar outras crianças a seguirem o mesmo caminho que um dia ele seguiu. Algo que tem tudo a ver com a importância de se ir atrás dos próprios sonhos, que no fim das contas, para ele, é a grande mensagem do espetáculo deste ano, A Chave.
— Eu comecei assistindo a um show. Eu sei que a minha vida mudou naquele dia, aos seis anos, quando aquela cortina se abriu. Gosto de pensar que cada vez que a gente consegue lotar um teatro com crianças, a vida de alguma delas vai mudar também — diz.
A Chave
- Nesta quinta-feira (20), às 21h, no Teatro do Sesi (Avenida Assis Brasil, 8.787), em Porto Alegre.
- Ingressos inteiros partir de R$ 200, via plataforma Eventbrite. Há opção de ingresso solidário, com 50% de desconto, mediante doação de um quilo de alimento não perecível.