Uma história sobre a relação conflituosa entre sogra e nora pode até soar clichê à primeira vista, mas se tem uma coisa que a comédia Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito, que passa pelo Theatro São Pedro nesta sexta (10), sábado (11) e domingo (12), não se propõe a ser, é clichê. Primeiro, porque a sogra é ninguém menos do que Vera Fischer, que retorna aos palcos após quatro anos de hiato e reencontra o São Pedro depois de quase 40 — sua última peça por lá foi Negócios de Estado, em meados dos anos 1980. Segundo, porque nada é o que parece ser no roteiro escrito por Eduardo Bakr.
Vera interpreta Dulce Carmona, uma aristocrata tão falida quanto cheia de pose que não aceita o fato de que seu único filho (Lauro, vivido pelo carioca Mouhamed Harfouch) vai se casar com uma mulher que ela não considera digna de ostentar o sobrenome da família — Gardênia, interpretada pela gaúcha Larissa Maciel. A dedução preambular parece óbvia: Carmona é a vilã, Gardênia é a mocinha. Só que, lembre, nada é o que parece ser.
Isso porque Carmona não é de todo uma megera (embora também seja). É, em alguma medida, uma mãe tentando buscar aquilo que acredita ser o melhor para o filho — mesmo ultrapassando constantemente os limites do que poderia ser considerada uma relação maternal saudável.
— Ela quer o bem do filho, quer que ele faça um bom casamento, mas, ao mesmo tempo, diz coisas terríveis para ele. Tem cenas muito violentas, tem uma parte até romântica, outra muito dramática, mas todas muito engraçadas — explica Vera Fischer. — Mas é uma graça que não vem de graça, sabe? Ela é ácida, é corrosiva, é venenosa — completa.
Venenosa também é Gardênia, que nem de longe poderia ser reduzida ao papel de mocinha apaixonada. Ainda assim, também não lhe cabe a alcunha de vilã.
— A cada hora, ela parece uma coisa diferente. As pessoas vão ter que descobrir qual é a dessa mulher e o que ela quer naquela família, qual é o objetivo dela, se ela ama ou não ama, se ela é boa ou é má... — comenta a intérprete Larissa Maciel. — O mais legal dessa peça é que ela vai surpreendendo a cada cena. As pessoas começam de um jeito, achando que vão ver uma coisa, e saem do teatro com a certeza de que viram outra completamente diferente.
No meio de todo esse enrosco está Lauro, o cara que só queria casar com a mulher que ama, sem prever que a outra mulher de sua vida, a mãe, não gostaria nada da ideia de ter que dividir o amor dele com alguém. Meio apático, meio banana e exalando por inteiro uma energia "como-eu-vim-parar-aqui?", o personagem é o alívio cômico do pesado "triângulo amoroso" em que está inserido.
E sua comicidade ganha ainda maiores ares quando ele começa a perceber o quão parecidas mãe e noiva são. Mas quando finalmente se dá conta de onde foi amarrar seu burro, a peça já deu outra de suas viradas — aquilo que o intérprete define como "carpintaria teatral".
— O Lauro é praticamente o público, porque ele vai sendo surpreendido pelas duas a todo momento. Ele fica ali naquele meio, ali na mão delas, tentando agradar uma e outra. É muito divertido porque a plateia vai junto com ele, se surpreende junto com ele, e tem uma conexão muito forte — diz Mouhamed Harfouch.
Por sinal, conexão é o que impera nos bastidores da montagem. Dirigidos por Tadeu Aguiar, que há pouco esteve em Porto Alegre com o premiado musical A Cor Púrpura, os atores exalam um companheirismo que em nada lembra as rusgas representadas por eles em frente ao cenário grandioso do espetáculo. Em parte, porque ele marca o retorno dos três aos palcos, depois de dois anos de pandemia — dois anos com o texto entalado na garganta, pois 15 dias antes de a peça estrear, em março de 2020, a emergência em saúde se impôs.
Por isso que, desde que entraram em cartaz, cada sessão tem sido uma verdadeira celebração para o trio. Mas sobretudo para Vera Fischer, que literalmente celebra seus 55 anos de carreira em Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito. E não poderia ser de um jeito que lhe agradasse mais: dando vida a uma personagem que julga diferente de tudo o que já fizera e que, ela diz, permite-lhe mostrar todo o vigor e disposição que ostenta no auge dos 70 anos.
— Acho legal que há pouco tempo passaram duas novelas minhas na Globo, Laços de Família e O Clone, mas nessa peça faço algo totalmente diferente. Aí, as pessoas assistem e perguntam: "Meu Deus! Mas ela faz isso também?" (risos). E ficam surpresas com a minha energia. O cenário tem uma escada e desço e subo aquela escada de salto alto o tempo todo, é um corre pra lá e um corre pra cá. No começo, morria de dor, pensava que não iria conseguir continuar fazendo a peça, mas agora já não tenho sentido dor nenhuma — diz Vera, revelando ter recentemente sido diagnosticada com artrite.
Mas a condição não atrapalhou. A única coisa capaz de esboçar um contratempo foi a falta de investimentos. Conforme o elenco faz questão de frisar, a turnê não conta com repasses de nenhuma lei de incentivo à cultura, somente o apoio de alguns poucos patrocinadores privados e recursos próprios. Um contexto que fez tudo ficar mais difícil. Afinal, não é barato colocar na estrada uma montagem com uma equipe robusta e um cenário grandioso como esta, que não se resume a "só um pano preto no fundo com uma cadeirinha na frente", como diz Vera Fischer.
Assim, conseguir colocá-la na estrada, apesar deste contexto, é o que traz mais motivos para celebrar a cada vez que as cortinas se fecham. E também lembrar da missão maior que os atores assumem junto ao espetáculo: fazer rir, quando nunca antes se precisou tanto.
— Estar em cena hoje é um ato de resistência, porque são muitas as adversidades. Estamos em cena sobretudo pela paixão, pelo amor ao ofício e pelo amor ao público — opina Mouhamed. — E a arte cura. Toda forma de cultura é uma forma de cura, mas a comédia é fundamental e necessária nesse momento em que a vida se faz tão pesada. Quando a gente vê o público, é maravilhoso. A gente aí tem certeza de que estamos chegando onde precisamos chegar.
Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito
- Sexta, às 21h; sábado, às 17h (sessão extra) e 21h; e domingo, às 18h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), em Porto Alegre.
- Ingressos inteiros a partir de R$ 50, disponíveis na plataforma Sympla ou presencialmente no foyer do Theatro São Pedro (somente em dias de apresentações, duas horas antes).